Posted By on Abr 13, 2009

um crime hediondo em Oeiras

EMACO


um crime hediondo em Oeiras

Da autoria de José António Lourenço Martins Baptista, a sua homenagem a Gomes Freire de Andrade:

Desde os primeiros alvores da humanidade que as culturas humanas praticam dos mais diversos modos e múltiplos rituais o culto da morte. O desconhecido que esta representa exige que se encaminhe em segurança o espírito daquele que feneceu e se recolham os seus remanescentes como memória da sua breve passagem por entre nós, pobres mortais.

Morin dá-nos algumas pistas para a compreensão deste fenómeno, de contornos habitualmente tão dramáticos nas nossas sociedades. Eis a que me parece, na minha modesta opinião, a sua mais preciosa afirmação: A morte não tem «ser».
Esta ausência de «ser», faz da morte algo incontrolável, obscuro, desconhecido, sinistro, e por isso merecedora do maior temor, quando não terror, e respeito.

De um modo geral todas as sociedades e culturas humanas tratam os seus mortos com grande respeito e dignidade.
Com exéquias, liturgias e rituais de inumação que dignificam quer o falecido, quer os familiares e amigos, quer o mundo que abandonou para sempre.
Mas este não foi o caso…

O general Gomes Freire de Andrade (27-01-1757 Viena – 18-10-1817 Oeiras) cedo se destacou na carreira militar e política.
Era filho do embaixador de Portugal em Viena, Ambrósio Freire de Andrade (primo dos condes de Bobadela), e de uma condessa alemã da Boémia-Morávia. Foi comendador da Ordem de Cristo.

Chegou a Portugal em 1781, tendo ingressado como cadete no regimento de infantaria de Peniche. Posteriormente serviu na Armada Real.
Ascendeu rapidamente na hierarquia militar, tão rápido quanto possível a um oficial aristocrata, para o que contribuiu a sua passagem pelo exército russo de Catarina II (que lhe deu uma espada de honra) na guerra da Crimeia, e também uma passagem na frente de guerra contra os franceses entre a Prússia e a França além da sua participação com os espanhóis no bombardeamento de Argel e o comando do exército auxiliar português que combateu os franceses na Catalunha.

Tudo isto lhe deu um grande experiência, quer de combate, quer de comando de tropas, pelo que em pouco tempo atingiu o generalato (em 1795 era já marechal de campo).
Mas, apesar do prestígio militar alcançado, a sua vida, no final, não foi um glorioso mar de rosas, antes pelo contrário.

Acusado de liderar uma conspiração liberal e nacionalista contra a monarquia absoluta de D. João VI, montada pela Regência com a cumplicidade do governo militar britânico, representado por Beresford, foi detido como traidor na sua casa, na Rua do Salitre – e aqui entra Oeiras nesta vergonhosa história…

Gomes Freire de Andrade é transferido e encarcerado num cárcere em rigoroso isolamento na base da torre do farol de São Julião da Barra, onde permanece cinco meses de total isolamento a aguardar julgamento. Um julgamento sumário que a cada documento que surge se revela ter sido uma farsa. Uma trágica farsa. Sem apelo nem agravo, a implacável e sórdida sentença foi lida.

E aos primeiros alvores do dia 18 de Outubro de 1817, no lugar onde hoje se ergue um monumento ao herói, procede-se à bárbara execução:

ENFORCAMENTO, DECAPITAÇÃO, CREMAÇÃO e LANÇAMENTO DOS RESTOS AO MAR !!

O mais tenebroso e desonroso tratamento que se podia dar a um militar e a um católico.

Não bastava o enforcamento. Sob o comando do sinistro Beresford, pretendeu-se apagar completamente da história e da memória dos portugueses que aquele bravo herói, e as suas ideias liberais, um dia tinham existido.
Mas não se pode passar uma borracha na história porque os homens não esquecem. E o barão da Vitória de Nossa Senhora da Batalha, general Sebastião Francisco Severo Drago Valente de Brito Correia de Lacerda Green Cabreira, quando governador do Forte de São Julião da Barra, cargo para que foi nomeado em 1852, mandou edificar um singelo mas significativo monumento no local onde ocorreu o suplício.

Quando visitamos este monumento, impressionante lugar de romagem patriótica cívica e da Maçonaria, parecem ressoar ainda no ar, sob o céu cinzento, as suas últimas palavras, já com a corda em volta do pescoço, alguns segundos antes do rufar dos tambores e do empurrão do verdugo, que pôs fim à vida dum patriota:

Amei sempre a minha pátria e nunca fui traidor. Perdoem-me todos; e vocês, soldados, que foram sempre a minha gente, continuem a servir a pátria como sempre a serviram os portugueses.

Bibliografia e fontes:

Brandão, Raul, Vida e Morte de Gomes Freire, Col. «Obras Completas de Raul Brandão», Editorial Comunicação, Lisboa, 1988.
Brandão, Raul, Vida e Morte de Gomes Freire, Col. «Testemunhos Contemporâneos» – 14, Alfa, Lisboa, 1990. [in: Documentação distribuída em conferências e visitas guiadas da Espaço e Memória – Associação Cultural de Oeiras].
Morin, Edgar, O Homem e a Morte, Col. «Biblioteca Universitária» – 19, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1988.
Wikipedia: Gomes Freire de Andrade.

imagem de Gomes Freire de Andrade: Wikipedia
fotografias do cárcere e monumento: © josé antónio • comunicação visual

nota: Esta peça foi originalmente publicada no Oeiras Local – em 08-10-2007.

José António Baptista
Oeiras, Abril 2009

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