Posted By on Set 7, 2021

Textos por Oeiras
– Pombal e a escravatura

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Textos por Oeiras
– Pombal e a escravatura

Autora: Ana Gaspar

Ultimamente muito se tem falado de colonialismo e escravatura, culpabilizando os portugueses que no passado os praticaram. Na maior parte das vezes as críticas descontextualizam as questões, dado que, do nosso ponto de vista, não podemos julgar os homens do passado à luz dos valores do presente. Cada época tem os seus valores e, provavelmente, também as nossas opções, que agora consideramos verdadeiramente justas e positivas, poderão ser no futuro julgadas como extremamente negativas. Quem saberá…
Assim, talvez seja bom lembrar que há 260 anos, a 19 de setembro de 1761, D. José faz publicar um alvará que determinou que qualquer escravo – preto ou preta – que aportasse ao reino de Portugal e dos Algarves, proveniente de África, América ou Ásia, ficaria automaticamente livre, dispensando qualquer carta de alforria, sendo que seria quem os transportava que teria a obrigação de pagar os respectivos documentos de identificação onde constaria a idade, sexo e figura.
Mais tarde, a 16 de janeiro de 1773, é publicado novo alvará que vai um pouco mais longe. Sabendo que, apesar da anterior legislação, ainda havia no Reino quem a desrespeitasse: “existem ainda pessoas tão faltas de sentimentos e humanidade, e de religião, que guardando nas suas casas escravas, umas mais brancas do que eles, com os nomes de Pretas e de Negras; outras mestiças; e outras verdadeiramente Negras; para pela repreensível propagação delas perpetuarem os Cativeiros por um abominável comércio de pecados, e de usurpações das liberdades dos miseráveis nascidos daqueles sucessivos e lucrosos concubinatos”, o rei determina que qualquer criança nascida de uma escrava, seria automaticamente livre, a partir da publicação daquele diploma, independentemente da situação dos seus antepassados. Com isto pretendia-se que essas pessoas não fossem impedidas de ocupar ofícios públicos, pudessem dedicar-se ao comércio, à agricultura ou a qualquer outra atividade. Correntemente, este diploma ficou conhecido como o do “ventre livre”.
Um outro aspecto interessante nesta legislação é a proibição que essas crianças sejam designadas de Libertas, “que a superstição dos Romanos estabeleceu nos seus costumes, e que a União Cristã e a Sociedade Civil faz hoje intolerável no meu Reino, como o tem sido em todos os outros da Europa”.
Os dois diplomas são assinados por Sebastião José de Carvalho e Melo, no primeiro ainda conde de Oeiras e, no segundo, já agraciado com o título de marquês de Pombal.
De facto, podemos – e devemos – congratularmo-nos com estes dois diplomas que trouxeram humanismo e sensibilidade à questão da escravatura no então Reino de Portugal e dos Algarves.

5 Comments

  1. Seria bom e conveniente que os novos “arautos da verdade”,antes de emitirem opinião muitas vezes sem pinga de fundamento,investigassem autores sérios,pensassem é o mínimo que se lhes pede,antes de proclamarem os seus absurdos e de agirem como ignorantes como quando pintaram Antônio Vieira.

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  2. Excelente introdução. A visão dos acontecimentos deve ser sempre contextualizada e desprovida de inclinações ou disposições individuais de qualquer cariz.
    obrigado pela lucidez do artigo.

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    • Muito obrigada pelo seu comentário. AG

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  3. Em primeiro lugar, quero agradecer-lhe, Ana Gaspar, este seu escrito sobre a escravatura e, de imediato, desejar que o Espaço e Memória tome a iniciativa de organizar um debate (de um dia, de uma tarde) para clarificar estes dois fenómenos, uma vez que os jornalistas pouco entendem do assunto e os jornais o que querem é protagonismo, entreter em vez de informar.
    Tenho, no entanto, algumas observações pessoais inadiáveis a “pôr em cima da mesa” (que não será a Real Mesa Censória).
    Desde logo, não há uma definição clara e distinta do conceito de escravatura. A palavra nem sequer existe em grego nem em latim nem no Dicionário Português-Latim (1771) de Pedro José da Fonseca dedicado ao Marquês de Pombal é distinta de “servidão”
    Sobre a culpa dos portugueses, é verdade que a “escravatura” (mais correctamente deveria dizer-se “servidão”) não foi “descoberta” ou “inventada” pelos comerciantes portugueses, mas fomos nós os primeiros a criar um “mercado internacional de mão-de-obra escrava”
    A Ana Gaspar tem razão ao escrever que “não podemos julgar os homens do passado à luz dos valores do presente”. Mas não podemos esquecer que já na Grécia do sec. V a.C houve vozes contra a “escravatura”. Em Roma, Séneca, criticava a escravatura argumentando que o trabalho livre rende muito mais. Em Portugal, Zurara trata os trabalhadores africanos por cativos, lembrando que todos descendem de Adão e Eva, Ambrósio Fernandes Brandão (1555-1618) em Diálogos das grandezas do Brasil discute a legitimidade da escravatura, enfim, não vou agora enumerar os escritores portugueses que se opuseram à escravatura, na própria época em que ela florescia e que a própria Ana Gaspar conhece.
    Quanto à libertação dos escravos, na época de Pombal, gostava de discutir e analisar esta questão porque não me parece andar bem esclarecida.
    Desde logo, penso que devem ser postos de parte todos os argumentos teológicos e moralizantes porque estes escondem sempre interesses mais empíricos. No século de deísmo e do capitalismo a sair da sua fase mercantilista, a escravatura é um obstáculo ao desenvolvimento das novas formas de produção (manufatureira, agrícola, mas não só).
    E a História virá mostrar que a situação social e económica do operário se tornou muito mais miserável do que no feudalismo.
    Estou escrevendo, ao sabor da minha corrente de pensamento. Não nos esqueçamos que já nos séculos XV, XVI e XVII muitos trabalhadores preferiam continuar escravos trocando a liberdade (de comércio e de trabalho) pela segurança.
    E que na antiguidade, escravos havia que trabalhavam para outros escravos de oficina ou loja aberta. E até tivemos, em Roma, um Epiteto, escravo, defensor da filosofia estóica, a filosofia oficial do Império Roamano.
    E para terminar deve ser posta de lado a ideia de que o trabalho escravo é trabalho não remunerado. O escravo tinha, além de salário (em certas condições), casa, cama, comida e roupa lavada.
    Finalmente, para não me alongar e mostrar-me impertinente, a ideia que fazemos do escravo é a do escravo no século XVIII, em particular o tratamento a que estava sujeito. Tal perfil em nada corresponde ao escravo da época grego-romana. O teatro que o mostre sempre que entra em cena um escravo.
    Ana Gaspar, peço desculpa por me alongar e uma vez mais agradeço por ter lançado a questão.
    Manuel Duarte

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    • Agradecida pelos comentários muito pertinentes e esclarecedores. Só pretendia esclarecer duas questões: os textos têm limite de caracteres pelo que temos de ser sucintos e está restrito ao concelho de Oeiras. De qualquer forma a sua contribuição ajudou a alargar o âmbito. Obrigada. AG

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