Posted By on Set 16, 2021

Textos por Oeiras
– O Morgado do Dafundo

EMACO


Textos por Oeiras
– O Morgado do Dafundo

Autor: Jorge Miranda

O morgadio foi uma significativa instituição de direito sucessório, de âmbito familiar e patrimonial, que garantia a indivisibilidade e inalienabilidade da propriedade fundiária. Baseado nos princípios da compropriedade familiar e do privilégio da primogenitura varonil, os bens assim vinculados desempenhavam uma função económica e social, indispensável à grandeza da casa e do status da linhagem e à sustentação do grupo. O morgado – o filho mais velho –, ao receber o vínculo, tinha deveres para com os seus descendentes e colaterais dependentes. O sistema desenvolveu-se em Portugal a partir do século XIII, até que os cânones liberais, no intuito da salvaguarda da igualdade entre os herdeiros, o extinguiram por decreto de 19 de Maio de 1863. No entanto, já o marquês de Pombal, pela lei de 3 de Agosto de 1770, restringira a usança, permitindo somente a constituição de vínculos que dessem elevado rendimento, ainda que sujeita à exigência de autorização régia e reservada exclusivamente a indivíduos de reconhecida nobreza e aos que prestassem relevantes serviços ao Estado ou que se destacassem no desempenho de actividades económicas.
O morgado de Oeiras assegurava a continuidade do poder económico e social dos descendentes de Sebastião José de Carvalho e Melo, que o herdou em 1737, mas particularmente de seu filho mais velho, Henrique José Maria Adão João Crisóstomo de Carvalho e Melo, ficando assim desfavorecido o seu segundo filho varão, José Francisco Maria Adão Macário de Carvalho e Daun. A restante prole era constituída por três mulheres que os bons casamentos protegeriam.
Sebastião José procurou assegurar o futuro do seu segundogénito. Nascido a 1 de Abril de 1754, diligenciou que entrasse bem na vida, pois o seu padrinho foi o monarca D. José. Depois, impôs-lhe o casamento com D. Isabel Juliana de Sousa Coutinho, que, contrariada, impediu, obstinada e denodadamente, a sua consumação, pelo que, de tanto se fechar, ficou conhecida por “bichinho de conta”. O matrimónio foi anulado vindo esta senhora a casar depois com o diplomata D. Alexandre de Sousa Holstein, sendo pais do primeiro duque de Palmela. Mas José Francisco de Carvalho e Daun não ficou solteiro também, tendo-se consorciado com Francisca de Paula do Pópulo de Lorena, filha de Nuno Gaspar de Távora, irmão do justiçado marquês de Távora, Francisco de Assis de Távora.
Economicamente, o segundogénito do marquês de Pombal ganhou substância quando os pais instituíram, por escritura de 16 de Maio de 1776, confirmada por alvará do imediato 6 de Junho, um vínculo que integrava as quintas de Montalvão, nos Olivais, e da Moruja (ou Maruja, por ficar perto do chafariz da Maruja, assim chamado por ser utilizado pelos homens do mar quando vinham fazer aguada – abastecer-se de água), no Dafundo (São José de Ribamar), e outros bens.
Esta Quinta da Moruja, pelo pacto de família e partilha celebrado em 14 de Fevereiro de 1771, por iniciativa do primeiro marquês, para garantir o futuro independente de sua mulher, foi-lhe atribuída, entre outros bens. Só a deteve seis anos, porque a integrou no apanágio do filho.
A quinta de São João do Rio, como hoje é chamada e onde se encontra instalado actualmente o Instituto Espanhol, pertenceu ao secretário de Estado de D. João V, Marco António de Azevedo Coutinho, que aqui construiu uma casa de campo. Após a sua morte em 1750, a propriedade terá sido adquirida pelos Carvalhos. Mas foi José Francisco de Carvalho e Daun que, nos finais do século XVIII, procedeu a profundas alterações na mansão apalaçada, dando-lhe a actual configuração.
O morgadio criado a favor do segundo filho de Pombal passaria à linha primogénita na ausência de sucessão na linha segundogénita. Mas seria reconstituído quando houvesse irmão segundo nas condições exigidas para suceder, devendo seguir a descendência deste. Esta precaução surtiu ao contrário: quem não teve descendência legítima foi o primogénito Henrique José de Carvalho e Melo, que foi o segundo conde de Oeiras e marquês de Pombal. E assim, José Francisco incorporou o seu património na casa de Oeiras, sucedendo-lhe até nos títulos, por morte de seu irmão em 1812, no Rio de Janeiro.
O velho marquês de Pombal era seguro, calculista, hábil e astuto. Quando a doença do rei entrava já numa fase galopante, antes que a situação se precipitasse, como veio a acontecer com a sua morte em 24 de Fevereiro de 1777, e prevendo os reveses da sorte que o atingiriam, conseguiu, na defesa do futuro do seu segundo filho varão, obter do monarca, a 19 de Agosto de 1776, a confirmação do vínculo e a concessão a este do título de conde da Redinha.

2 Comments

  1. Da nossa associada Maria Leonor Borja Araújo recebemos a seguinte mensagem referente ao texto de Jorge Miranda:

    Caros Amigos,

    li, de fio a pavio, o texto do nosso querido dr. Jorge Miranda ! Já que não nos podemos ver, ler este texto já deu para matar saudades !
    Quem não tem lembranças agradáveis das nossas conversas de Verão ? Às vezes com ventania, frio, mas ali estávamos deliciados a beber os vossos saberes !
    Um abraço para todos, e até breve,
    Maria Leonor Borja Araújo.

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  2. Mais um excelente texto, desta vez de Jorge Miranda tão sabedor e que tão bem relata o seu saber. Obrigada à Emaco por nos fazer chegar estas participações dos associados. Saudades de vos ver a todos.

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