«O Correio da Linha»
entrevista José Meco
Com os nossos agradecimentos e devida vénia, reproduzimos a entrevista que «O Correio da Linha» efectuou, nas nossas instalações, a José Meco:
O CORREIO DA LINHA – 22 Janeiro 2024 – José Meco “A Azulejaria não é uma arte menor”
O professor José Meco, é natural de Oeiras onde sempre residiu, tem uma vasta atividade na área da Cultura, nomeadamente como professor e historiador de Artes Decorativas, com destaque para a Azulejaria, foi colaborador do Museu da Cidade, docente de História da Arte na Escola Superior de Artes Decorativas, Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva e no Instituto de Artes e Ofícios, Universidade Autónoma de Lisboa.
Tem diversas publicações sobre História da Arte, em especial de Azulejaria, em revistas e catálogos de exposições e em livros, de que destacamos, “Azulejaria Portuguesa” e “O Azulejo em Portugal”.
Realizou exposições de azulejos, em diversos locais do país mas também no estrangeiro. Apoiou intervenções de restauro de azulejos, em Lisboa, Carcavelos, Cascais, Salvador da Bahia, Rio de Janeiro.
Foi agraciado, pela Presidência da República, com a Comenda da Ordem de Mérito, em Janeiro de 2023, e foi-lhe atribuída, pelo Governo Português, a Medalha de Mérito Cultural, em Janeiro deste ano.
Correio da Linha – É natural de Oeiras, onde sempre tem vivido, como é que foi a sua infância?
José Meco – Foi normalíssima, recordo que aos nove anos deixei de ir à catequese, o que foi um escândalo, com diversas pessoas a contactarem a minha família para que eu voltasse, mas eu decidi não ir e não fui, parece que já começava a ter alguma personalidade, mas mais tarde é que comecei a abrir os olhos para o que se passava com o regime e a ter consciência social das coisas. A minha família era um pouco desligada das questões políticas e foi no liceu que fui tomando consciência da realidade que se vivia e também a interessar-me pelas artes.
CL – Há alguma razão especial para a sua dedicação às artes?
JM – Terá tido influência ir muitas vezes passear com os meus pais a Lisboa, para visitar museus e monumentos, mas sempre tive uma sensibilidade especial para as coisas artísticas, portanto não é de admirar que eu me tenha tornado especialista nesta área e Historiador de Arte, porque era um interesse que eu tinha já desde muito cedo. Tive professores no liceu que viram o meu interesse e ajudaram, mas só depois do serviço militar, de que cumpri parte, em Moçambique, é que comecei a trabalhar a sério no Azulejo e na História da Arte.
CL – Porquê o Azulejo?
JM – Sempre gostei do Azulejo, eu conhecia o Museu do Azulejo, que ainda era um pouco precário, ainda não estava montado definitivamente e tinha vontade de tentar contactar João Miguel Simões, responsável pelo museu, que com o seu falecimento deixou um certo vácuo, penso que por ele ser um grande especialista outras pessoas não procuraram entrar nessa área, não competir, quando eu comecei foi mesmo a sério, terei sido um pouco escuteiro e caixeiro-viajante do Azulejo, com toda uma série de iniciativas e penso que atraí outras pessoas para essa área, que fizeram trabalho válido, foi uma boa época. Estive a trabalhar como tarefeiro no Museu do Azulejo, e passei a olhar de outra maneira para as coisas, com olhos de ver, muito de que eu julgava saber caiu por terra.
CL – Em Oeiras há azulejos com valor?
JM – Há bastantes e muito bons, temos a igreja de Carnaxide que é magnífica, a igreja de Porto Salvo, uma das melhores coleções de azulejaria barroca do país, a Quinta do Torneiro, a Quinta do Marquês de Pombal, que é o conjunto mais rico e variado do país, com o Palácio e a Casa da Pesca e a cascata, a Capela de Santo Amaro, e outros conjuntos notáveis. Oeiras foi durante muitos anos considerada uma terra que tinha pouco património, tinha o Palácio dos Marquês de Pombal e o Forte de São Julião da Barra, mas de algumas décadas para cá tem-se percebido que é uma terra bastante rica em património e um deles é precisamente o Azulejo.
Um outro conjunto notável é também a quinta de Nossa Senhora da Conceição, em Barcarena, onde funciona a Escola Oeiras Internacional School, tem um conjunto do pintor muito importante do século XVII, Gabriel Barco, que foi o primeiro grande mestre barroco, a acapela da quinta e a entrada estão decoradas por ele.
Eu quando comecei a trabalhar debrucei-me precisamente sobre esse pintor e um dia fui bater à porta da Quinta, e apareceu-me o dono, que era um engenheiro belga, que ficou muito espantado porque já era dono da quinta havia uma série de anos e nunca ninguém tinha ido à quinta para ver os azulejos.
O Reinaldo dos Santos tinha-os divulgado nos anos 50, num dos seus livros, e fui eu o primeiro a querer ver desde que este senhor belga era dono.
Oeiras tem coisas bastante interessantes que ainda estão a ser descobertas, o arquiteto Rodrigues Dias tem vindo a fazer o levantamento de quintas e de conjuntos urbanísticos, o Joaquim Boiça tem feito um trabalho interessante sobre as fortificações, de que ninguém tinha a noção da sua importância e provou que é o maior conjunto de fortificações de Portugal.
CL – Os painéis que estão em São Julião da Barra, dos quais um terá sido retirado de um monte de entulho, são importantes?
JM – Esses painéis não pertenciam ao forte, uma vez que os azulejos que existiam foram mandados destruir, no início do século XIX, por um diretor que considerava que por estarem pintados de azul eram da maçonaria. Um dos painéis está incompleto, o que está completo representa o nascimento da Virgem, são painéis interessantes, mas não se sabe a sua origem.
CL – O azulejo aparece em Portugal, quando?
JM – Nós temos aplicações em pavimentos medievais mas não são propriamente azulejos, o Azulejo aparece essencialmente no século XV, mas de origem sevilhana, porque foi em Sevilha que se desenvolveu muito para exportação, e Portugal foi o maior cliente, até ao século XVI, todos os azulejos antigos que temos são de origem sevilhana e foi graças a eles que nós criamos o gosto pelo Azulejo, por exemplo, D. Manuel, importou muitos, há uma teoria de que alguns nessa altura já foram feitos em Portugal, mas eu não creio, talvez houvesse algumas experiências, mas a meio do século XVI é que começam a chegar flamengos com novas técnicas e é a partir dessa altura que nós começamos a produzir Azulejo muito ao gosto internacional.
No final do século XVI perdemos os meios que tínhamos e o trabalho elaborado deixou de ser possível produzir, passou a ser um Azulejo menos elaborado, mas ganha características mais portuguesas, atingindo uma dimensão extraordinária em todo o país e no Brasil, também nas colónias e nas ilhas, mas com menos importância.
CL – Essa fase durou muito tempo?
JM – Durante o século XVII havia pouca variedade, os modelos duravam décadas, só depois do domínio filipino e da Guerra da Restauração, é que há um período de estabilização, muitos dos edifícios das famílias aristocratas são renovados, a igreja também se renova e o Azulejo é chamado para novas funções mais elaborados, mais ricas, o Palácio Fronteira, é um exemplo notável disso, e aí começa a haver a procura de modelos mais variados mais originais, que vão dar origem ao Barroco.
No Século XVIII há uma renovação total, o aparecimento do azul e branco em vez policromia anterior, vai marcar muito o Barroco, mas não só em Portugal.
Nós trabalhámos de uma maneira extraordinária pelo que o Azulejo teve um enorme desenvolvimento não só em termos técnicos como na pintura, porque os artistas eram formados na pintura a óleo, e aí aparecem as grandes cenografias decorativas, que ultrapassam qualquer país europeu.
CL – Julgo que, apesar do que diz, a Azulejaria foi sempre considera uma arte pobre, isso continua assim ou isso já esta ultrapassado?
JM – Sim, felizmente já está ultrapassado, porque os conceitos artísticos eram muito os conceitos estrangeiros, havia as Belas Artes, a Arquitetura e as outras eram artes menores, hoje a realidade é muito diferente, de algumas décadas para cá, houve uma grande renovação dos conhecimentos artísticos e para isso contribuiu muito o desenvolvimento dos institutos, das universidades, muito trabalho tem sido feito, há outra compreensão, não é uma perspectiva em função da arte estrangeira mas mais focada na arte portuguesa e nas suas caraterísticas.
Quando eu comecei a trabalhar era uma arte menor, hoje é uma arte decorativa, não será a melhor qualificação e pode não ser a classificação mais correta, mas não é depreciativa e se há Arte Maior em Portugal, o Azulejo é uma delas, como a Talha Dourado que é uma das manifestações onde nós trabalhámos com mais criatividade e mais desenvolvimento.
Ainda há pessoas agarradas aos velhos conceitos, mas tem havido uma renovação de critérios muito grande e o Azulejo, que já tinha prestígio há meio século, num meio mais reduzido, hoje tem esse prestígio mais alargado porque há muitas exposições, publicações e atividades ligadas ao Azulejo. Lembro-me que na primeiro exposição, em 1984, na “Estufa Fria”, colaborava eu com o Museu da Cidade, que tem a segunda melhor coleção nacional, não privada, e que nunca tinha sido exposta, esteve seis meses em exposição e foi muito visitada, fiz imensas visitas guiadas que começavam com 30 ou 40 pessoas e no fim estavam 200, porque quem entrava juntava-se à visita.
Depois seguiram-se outras exposições que contribuíram para a renovação do gosto pelo Azulejo.
CL – Sobre exposições, sei que fez bastantes, até no estrangeiro, e consta-me que, julgo ter sido no Japão, as pessoas não sabiam o que era o Azulejo, foi assim?
JM – Normalmente no estrangeiro não sabem bem, mesmo na Europa, porque houve um grande desenvolvimento do Azulejo no século XIX e depois no período Modernista houve um desenvolvimento internacional que ultrapassou a azulejaria portuguesa, mas depois também morreu e nós não, temos quilómetros e quilómetros de fachadas decoradas e outras criações.
O Azulejo moderno, a partir de 1940, foi desenvolvido em grande quantidade, especialmente pela fábrica, Viúva Lamego, com o mestre, Eduardo Leite, que abriu a fábrica aos novos artistas e criou condições para eles trabalharem, foi isso que contribuiu para que Portugal tenha, talvez no mundo, o conjunto mais variado e talvez mais notável da azulejaria moderna, porque há coisas muito boas no estrangeiro, mas são coisas soltas, nós temos uma quantidade de produções extraordinária.
Mas no que se refere a exposições, em Londres teve um certo impacto, na Alemanha aconteceu o mesmo, no Brasil também, no oriente, onde andei três anos e meio, por decisão do Museu da Cidade, graças à Fundação Oriente, começamos por Goa, depois Bombaim, Macau, Hong Kong, Pequim, Seul, Bangkok, e quatro cidade dos Japão, aí foi sempre uma arte desconhecida, na India há muito pouca azulejaria portuguesa antiga, e no resto do oriente não se conhecia o Azulejo português.
CL – Entre nós, as pessoas vêm o Azulejo como uma peça de valor, ou não dão muita importância?
JM – Penso que há de tudo, há quem veja o Azulejo como aquele pequeno painel que se coloca à entrada de casa, com frases, ou a imitar conjuntos antigos, mas continuam a fazer-se trabalhos muito bons, recordo, por exemplo, a pala do Pavilhão de Portugal, na Expo e as estações do metropolitano têm peças de decoração muito interessantes.
CL – Esteve no desenvolvimento da Associação Cultural, Espaço e Memória, que é que significou para si essa participação?
JM – Tem muita importância, sou um dos sócios fundadores, os restantes elementos é que têm que dizer se me aturam bem ou mal. Isto foi uma iniciativa do professor Jorge Miranda, que está neste momento com alguns problemas de saúde, mas que foi uma figura notável na criação desta associação.
O Espaço e Memória, permitiu que eu me dedicasse mais a Oeiras, porque o meu trabalho andava mais disperso pelo país, isso fez com que eu aprofundasse os meus conhecimentos sobre Oeiras e criasse um grupo de pessoas e atividades que me tem dado muito prazer e tem sido um grande estímulo.
Texto: Alexandre Gonçalves
https://d3s5ffo39ul8xr.cloudfront.net/uploads/2024/01/CL-Janeiro-2024LQ-1.pdf https://www.ocorreiodalinha.pt/2024/01/18/edicao-janeiro-2024/
Comentários recentes