Posted By on Mai 8, 2020

Quarentena Assintomática – XXXII

EMACO


Quarentena Assintomática – XXXII

Autor: Jorge Castro

Nós, os velhos

Para princípio de conversa, o conceito é relativo. Se perguntarem a um miúdo de seis anos, ele considera os pais de trinta, velhos. Aos nossos vinte, qualquer indivíduo na casa dos cinquenta nos parecia mais do que entradote… e por aí fora.

Estão estafadas as conversas que vão buscar a longevidade eternamente juvenil e activíssima de um Fernando Pessa em contraponto a qualquer molengas jovem mas eminentemente sorna.

Mas, hoje, o tema volta à ribalta, com contornos mais do que dúbios, por força da contaminação do vírus e da «população de risco», referindo-se toda a gente aos velhos, como uma espécie civilizacional à parte.

Velhos que constituem, no Portugal que temos, cerca de um quarto da população. Sem querer armar em antropólogo, sociólogo, estatístico ou outro qualquer especialista – que nem sou – vejo, entretanto, com apreensão a deriva de alguns opinativos que partem do factor idade para o associarem à inutilidade ou ao «peso» (leia-se fardo) social que representam.

E, aqui, é que os néscios, os apressados (que também são néscios), os direitolas jovens (que, por sua vez, são néscios apressados) e outras camadas pouco higiénicas da nossa sociedade mostram clamorosamente que as suas caixinhas cranianas, quiçá por terem desenvolvido demasiada massa óssea, comportam poucos neurónios e, ainda para mais, mal articulados.

Vejamos:

– para além do imprescindível contributo dos velhos na sustentação do agregado familiar, nos dias que vivemos, que incide sobre o apoio, anónimo e clandestino quase, aos netos e aos filhos, seja directo, seja indirecto… e quantas vezes através da «subsidiação a fundo perdido»;

– para além do seu contributo para a sustentação das incontáveis acções culturais, quase anónimas mas sempre presentes, que atravessam diariamente todo o País e que contam com a organização e participação maioritária de velhos – que se desunham, ingloriamente, as mais das vezes, para contarem com a participação de gerações mais novas nessas iniciativas;

– para além de serem, em larguíssima maioria, os velhos a darem um passo em frente em tudo quanto seja voluntariado hospitalar, em particular, mas social, em geral… geralmente a custo zero, ainda que muito boa gente activa disso beneficie;

– para além de muitas outras coisas, porventura de somenos, ocorreu-me, nestes tempos propícios à reflexão, fazer um breve exercício, recorrendo aos dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, depois de ter ouvido uma personagem ministerial referir que cerca de metade dos proventos realizados no turismo – que, pelos vistos, já representa 17% do PIB, o que não é despiciendo – provém do turismo interno. Dos residentes em Portugal, portanto.

Ora, basta uma levíssima agitação das meninges, olhando para os dados de 2018 (os gerais mais recentes, que qualquer um pode consultar) para rapidamente se concluir que esse turismo interno é constituído, em cerca de um quarto do seu total, pela população no escalão etário entre os 65 anos e o infinito. Se, entretanto, lhes juntarmos a população entre os 45 e os 64 anos de idade – onde já se contam muitos pré-reformados, reformados e pensionistas – atinge-se um valor de 50%.

Por si só, pois, ou em cúmulo com o acréscimo do grupo anterior, os velhos deste País representam uma parte fundamental e imprescindível no movimento do turismo nacional e, nesse contexto – já não referindo os outros contextos –, mantêm-se como uma parte muito significativa da população «activa» que sustenta a máquina da economia em movimento…   

Já para não falar do IRS que o Estado Português continua a cobrar a reformados e pensionistas, o que sempre me pareceu uma aberração inqualificável mas, enfim… isso ficará para outra croniqueta.

Assim sendo, animem-se, pois, os velhos! Animemo-nos! Estão em nós os saberes antigos e a experiência de uma vida vivida, mas estamos, também, perseverando na construção dos pilares do futuro.

Quanto ao mais, já os meus avós diziam que vozes de burro não chegam aos céus.

– Jorge Castro

08 de Maio de 2020          

1 Comment

  1. Boa estreia. Já li o meu primeiro texto. Vou procurar o QUINQUAGÉSIMO PRIMEIRO DIA. Já tenho um terceiro para te mandar. Chama-se DOIS LADOS DA MESMA MOEDA. Beijinhos virtuais. Ana.

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