Opinião


Pela sua relevância e complementaridade, também com os nossos agradecimentos a ambos os autores, nossos convidados, que amavelmente nos disponibilizaram os seus discursos, aqui ficam essas alocuções apresentadas na evocação do 25 de Abril de 1974 que a Espaço e Memória – Associação Cultural de Oeiras levou a efeito, no Auditório Municipal César Batalha, em Oeiras, no dia 07 de Abril de 2024.

  • Do Comandante Mário Simões Teles:

A economia da cidadania

(Nesta intervenção procura-se evocar o 25 de Abril à luz dos descontentamentos actuais e à luz de uma abordagem à economia da cidadania)

Aproximam-se tempos de roturas. Esta previsão ou conjectura baseia-se nos sintomas de erosão da democracia que estão à vista, de que são exemplos: o afundamento de pardos tradicionais – nomeadamente em França e em Itália; o êxito do Brexit no Reino Unido, assente numa campanha populista que fraccionou os pardos principais pardos; a eleição de Trump e a persistência do trumpismo mesmo depois da sua derrota eleitoral ulterior. E de sintomas do tipo fuga para a frente, por serem irracionais à luz de um são funcionamento dos regimes democráticos, que são a guerra na Ucrânia e a rotura económica com a Rússia, bem como a guerra na Palestina com o desprezo dos mais elementares princípios de humanismo – já não é preciso provar a desumanidade imperialista, ela está à vista, à semelhança do que escreveu Mário Castrim das provas da esfericidade da Terra quando a viu na televisão filmada da Lua, em Julho de 1969 (ai da professora primária que continue a perguntar aos seus alunos as provas da esfericidade da Terra – a sombra dos eclipses, os mastros de navios a desaparecerem no horizonte; qualquer um lhe pode responder: – a Terra é redonda porque eu vi na televisão!).

 O descontentamento

Emergem em múltiplos lugares maiorias descontentes com a versão da democracia com que temos convivido.  A incapacidade destas democracias em resolver satisfatoriamente os problemas das sociedades pode ser resumida na célebre frase, dita e redita por quem já esteve e por quem está no poder algures: «não há alternativa». Esta assumpção devia envergonhar intelectualmente quem a assume em ambiente democrático. Em democracia revindicar que não há alternava é uma contradição entre os termos, é um paradoxo, dito num parlamento configura um oximoro (ou oxímoro).   

O descontentamento tem conexão essencialmente com a falha de expectavas. O que está em causa é uma derivada, não um nível determinado das condições de vida. A seguir à 2º Guerra Mundial as cidades e os campos da Europa estavam destruídos e as pessoas estavam pobres, mas a derivada era positiva, as expectavas de melhorias eram fortes e, nesses países, ainda coloniais, foram correspondidas em grande parte, até ao princípio da década de oitenta do século passado. A partir dessa década, as expectavas de cada vez mais amplas camadas das populações têm vindo a ser defraudadas – exemplo, os jovens vêm-se obrigados a permanecer em casa dos pais até muito para além do que os pais permaneceram no seu tempo de jovens.  

No entanto, pasme-se, o descontentamento apareceu e cresceu ao mesmo tempo que os direitos políticos individuais cresceram também! Direitos das mulheres servem como exemplo. E também cresceu e contínua a crescer a par com o aumento dos PIB. 

O que nos permite avançar e conjecturar que o descontentamento decorrerá: (1) da percepção de que, afinal, não se tem o controlo das forças vitais que governam as nossas vidas, que são forças económicas fora do alcance do nosso radar; (2) da percepção que os elos sociais estão a

desaparecer, seja ao nível da família, ou do bairro ou aldeia ou da cidade, ou do Estado, ou mesmo da UE, no caso da Europa, ou dos Estados que compõem os EUA – o que se transmuta em ansiedade. Nos países desenvolvidos a estagnação de algumas das condições de vida, de que o desemprego é exemplo, será apenas uma segunda derivada, um factor de uma ordem de influência menor do que aqueles dois.

A contradição

Podemos então deduzir que as configurações democráticas com que vivemos não correspondem às necessidades de controlo da complexa economia de grandes empresas e da finança mundial que, ademais, actuam na escala mundial. Está estabelecida uma contradição entre o desenvolvimento da economia e o desenvolvimento da democracia.  A economia é controlada fora da esfera democrática por grandes empresas, sejam industriais, de serviços, tecnológicas ou financeiras. A nossa vida não é controlada pelas democracias. Na economia industrial ainda se iam conhecendo os patrões em pessoa. Na época da economia financeira e da economia globalizada conhecemos logotipos apenas. Os nossos esforços de cooperação são orientados para a cooperação individual com grandes organizações, cada vez mais complexas e impessoais. A cooperação entre pessoas ou a mediação através de pessoas tende a tornar-se residual. 

O controlo atrás denunciado estende-se a todos os níveis das sociedades, desde o das organizações internacionais até ao do nível autárquico. Olhe-se, a tulo ilustrativo, para a inoperância da ONU em evitar e depois em pôr fim às guerras em curso, aliás à semelhança do que aconteceu com guerras passadas. O desrespeito pelas suas decisões, tomadas em ambiente democrático, não é exclusivo de regimes de ditadura. É até quase sempre o contrário.

Em resumo: a nossa liberdade é ilusão, que resulta de ser ilusória a democracia que temos. Do que precisamos mais é de conquistar a liberdade de controlar as forças económicas e financeiras que nos governam e que essa é sem margem para dúvidas a condição para usufruir das restantes liberdades, i.e., exercer os direitos individuais. 

Breve abordagem à economia vigente

Os governos que nos têm governado escondem-se atrás de uma pretensa neutralidade da economia, procurando obliterar a sua natureza política. Fazem-no à luz do princípio básico que foi estabelecido pelo pai maior dela, Keynes, que citamos: «o consumo é o único fim e objecto de toda a actividade económica», a que acrescentou «trabalhamos para ganhar dinheiro de modo a podermos consumir». A partir deste axioma já se compreende que a política económica vigente gire quase exclusivamente à volta de variáveis agregadas – de que a despesa pública é o exemplo maior, mas onde também estão as políticas fiscais associada às políticas redistributivas, bem como as políticas monetárias. São tudo índices, com que se pretende induzir a neutralidade em relação aos fins últimos da actividade económica. Com propriedade pode-se comentar que toda a parafernália de índices se destina a esconder o rabo do gato.

Ao consumo ficou imediatamente e irremediavelmente associada a variável crescimento, que tem de ser contínuo para satisfazer o consumo crescente.   

Admitamos que esta abordagem pode ter do a sua razão de ser, quando amplas camadas da população ficaram a viver ao nível da subsistência devido às três guerras que ocorreram na primeira metade do século XX: A Grande Guerra de 1914-18, a Grande Depressão de 1929-31 e a Segunda Guerra Mundial de 1939-45. Mas consistiu principalmente na maneira prática de obter um nível elevado de consensos políticos – afinal dispensou e acabou por fazer esquecer a discussão política fundamental sobre os fins reais da actividade humana, os tipos de instituições que os podem proporcionar, o fulcro no trabalho como respaldo do carácter e da dignidade, a responsabilidade dos governos na promoção da cidadania.  

A cereja em cima do bolo desta filosofia política são os mercados. Os mercados são uma espécie de varinha mágica. É através dos mercados que as escolhas de consumo têm de ser feitas. Nada disso tem a ver com os governos, os governos não têm de se intrometer nas escolhas das pessoas. Ora os mercados e a concorrência em si mesmos não são armas letais. Mas passam a sê-lo quando são erigidos em mandantes das políticas, ademais ficando sob controlo de elites desconhecidas. 

E foi anestesiados pelo consenso sobre o consumo e o crescimento que chegámos onde estamos. 

Por uma nova economia

Porém, as últimas quatro décadas vieram evidenciar que não se pode ser neutro em relação à organização económica, o que já estava estabelecido antes por muitos, mas estava esmagado pelos defensores dos mercados de consumo triunfantes e estava esquecido por alguns outros. Desde logo, é fortemente contestável que a vida das pessoas se reduza ao consumo.  Talvez por desconfiarem disso, a variável económica que é usada para avaliar o almejado consumo é, curiosamente, designada por PIB, isto é, disfarça-se de produção.

O PIB não nos diz nada sobre as qualidades intrínsecas da economia.  Em que relações de produção assenta? Um determinado PIB contém em si mesmo a dignificação do trabalho produzido ou a sua degradação? Quantas Odemira ou Martim Moniz há pelo país escondidas?  Numa economia da cidadania, à produção tem de estar necessariamente associada a dignificação do trabalho, visto que o trabalho é forma natural e basilar da convivência em sociedade.  

A glorificação do PIB redunda em falácia. Hoje sabemos que ao crescimento do PIB está associada desigualdade crescente e que a contribuição do trabalho no PIB tem vindo a diminuir. A nova desigualdade é em si mesmo um factor de erosão dos elos sociais. As formas de vida cada vez mais separadas – os condomínios fechados no seio de urbanizações amontoadas são exemplos menores – decorrem da nova desigualdade. 

Não é por acaso que a desigualdade está a crescer, visto que contribui para garantir o controlo da economia por parte de quem está no extremo do lado da riqueza. Quem tem posses, sobretudo quem tem muitas posses está em boas condições de influenciar a governação. A tentação de o fazer faz parte da natureza humana. Para quem não tem posses ou tem poucas posses essa possibilidade é remota ou reduzida, a menos que se organizasse em grandes grupos de influência e, mesmo assim, não dispensaria financiamento. Também faz parte da natureza humana ganhar inveja e rancor se se estiver do lado mau. Aquilo a que se chama corrupção está enquadrado pela desigualdade.

Pode-se combater e deve-se combater a desigualdade lutando por melhores salários. Mas deve-se ter presente que essa luta, por si só, não altera ou pouco influi no poder de quem detém o controlo da nova economia, a menos que fosse um movimento de escala mundial. É a aspirina que tem de se tomar, senão não se aguenta a dor, mas não cura o mal, que é profundo. 

Comunidades

É necessário inverter a situação em que vivemos e que procurámos caracterizar sucintamente. A definição do interesse geral não resulta do mero apuramento quantitativo e subsequente rateio dos interesses individuais, como se pretende que os mercados façam com os bens de consumo e como se pretende que a democracia representava faça também de xis em xis anos através de eleições. A essas quantificações e rateios há que associar qualificações que as precedam através do exercício permanente e universal de intervenção nas coisas da governação. 

Não vamos enumerar aqui vias concretas para a instauração de economias da cidadania, apesar de termos algumas sugestões no bolso. Apenas diremos que o assunto é bem difícil de equacionar e de pôr em prática e que não há via única. Pelo que dissemos, o assunto é muito mais de cidadania do que de economia (e que tenha sido este entendimento que tenha conduzido a trazê-lo a uma associação cultural). Seja que formas concretas assumirem nenhuma das vias será bem-sucedida se não actuar simultaneamente na superestrutura e na base da sociedade. 

Actuar na base significa contribuir para a mobilização massiva e permanente dos cidadãos nos diversos níveis do governo da sociedade. Essa mobilização é muito mais que «rua». Implica que se constitua em células a cooperar em rede com pelo menos duas características: (1) serem capazes de participar permanentemente na governação na escala local; (2) serem capazes de se federarem para participarem na governação nas escalas regional e nacional e, a partir daí, chegarem às organizações internacionais. Estamos a falar de comunidades. A palavra-chave é rede. É recorrendo a uma rede que a cooperação entre pessoas distantes entre si se transforma em comunidade, na medida em que se participa na definição dos objectivos que, por essa via, se interiorizam. A cooperação profissional no seio de uma empresa moderna raramente assume a forma de comunidade. E no polo oposto de comunidade estão os movimentos populistas. Nestes, prevalece o culto a um chefe, o seguidismo e o esbatimento até à anulação das práticas democráticas.

Por seu lado, actuar na superestrutura significa procurar alterar as correlações de forças ao nível dos diversos escalões da governação instalada, retirando poder aos poderes que empurram para os mercados as decisões que eles próprios deviam tomar, ao cultivarem uma pretensa neutralidade em aspectos fundamentais da vida em sociedade, isto é, demitindo-se convenientemente. 

A experiência do 25 de Abril

É aqui que entra a evocação do 25 de Abril, isenta de qualquer nostalgia, tão somente como reflexão eventualmente útil para as momentosas tarefas que nos aguardam. Referimos dois aspectos, entre outros, que podiam igualmente ser chamados à evocação como são os de natureza intrinsecamente formava ou cultural, a ser tratados em pé de igualdade com o que estamos a tratar agora. No primeiro aspecto que retemos relembramos que a Ditadura não foi derrubada por um grupo armado emanado de uma insurreição popular, ao contrário da maior parte das revoluções. Foi derrubada pela convergência da acção profissional de um grupo de jovens militares – i.e., de uma sub-componente do Estado – e da acção popular que arrancou no próprio dia e se generalizou, multiplicando-se em muitas acções. Não houve nenhuma combinação entre as duas componentes: o MFA actuou com total autonomia; os movimentos populares também, desde logo ao nível local, em seguida ao nível nacional. Houve, sim, cooperação intensa durante os 579 dias de Abril.

O segundo aspecto evoca a Constituição de Abril e decorre do primeiro. A duplicidade de actuações inerente ao 25 de Abril que referimos ficou, com naturalidade, acolhida na Constituição da República, na medida em que os direitos económicos, sociais e culturais são nela colocados a par dos direitos políticos – de cujo sistema representativo vigente na prática só minorias beneficiam. Nesses direitos está incluído o direito ao trabalho e a condição dos trabalhadores como cidadãos com direitos específicos (argos 58.ºe 59.º), cf. sublinhou o jurista António Cluny em artigo recente. Nisso se distingue de outras constituições. A atenção que a nossa Constituição dedica ao trabalho e aos trabalhadores deve ser encarada como um factor de produção decisivo na busca do desenvolvimento económico de que carecemos. Isto é, a par do indispensável exercício democrático da escolha periódica dos representantes na superestrutura política, incentiva a trilhar caminhos para intervenção permanente em todos os campos da sociedade. Assim haja forças para os percorrer e conseguir impor os direitos atrás enunciados – nenhum direito alguma vez foi concedido, todos foram conquistados.  

Para terminar, três notas

  • Reflexões deste teor – e muito mais elaboradas e feitas por autores consagrados – provocaram risos ainda na véspera da crise financeira mundial de 2007-2009 e chacota vinte anos antes. Hoje, estão a ser levadas muito a sério. Este é também um sintoma de que se aproximam grandes mudanças.  
  • Está sempre presente a alternava má – a militarização e a guerra. 
  • O lastro do 25 de Abril na sociedade autoriza-nos a aceitar os riscos de uma luta pela verdadeira liberdade cívica, isto é, a liberdade generalizada de participar permanentemente e a todos os níveis no governo da sociedade.

Obrigado pela vossa atenção. 

Oeiras, 7 de Abril de 2024 – Mário Simões Teles

  • Do Almirante Manuel B. Martins Guerreiro:

Passado Presente e futuro

Originalidade e singularidade do 25 de Abril

De 28 de Maio de 1926 até 25 de Abril de 1974 Portugal viveu uma ditadura, primeiro militar até 1933, depois corporativa , beato-fascista com a entrada em vigor da Constituição Corporativa de 1933 de Oliveira Salazar.

Portugal foi membro fundador da NATO em 1948, o país conservador, economicamente atrasado e, em grande parte rural e analfabeto, estava isolado internacionalmente, enfrentava uma guerra colonial em três frentes: Angola desde 1961, Guiné 1963 e Moçambique 1964.

O anticomunismo era um elemento fundamental do regime, o que lhe permitiu ser fundador da NATO ao lado das democracias ocidentais vencedoras da II Guerra Mundial e, por outro lado, servia de justificação à guerra colonial, em defesa da civilização ocidental que hoje seria ocidente alargado

A juventude portuguesa estava na guerra colonial ou estava emigrada na Europa. Portugal era um país desprestigiado e isolado, os emigrantes evitavam dizer que eram portugueses. Ao início desempenhavam as piores tarefas dos países para onde emigraram, as suas qualidades de trabalho e hábitos de submissão eram apreciados pelos empregadores.

A par do partido único, a União Nacional, e da polícia política, as Forças Armadas e a Igreja eram os pilares fundamentais do regime salazarista, um regime de modelo corporativo claramente inspirado no fascismo italiano.

O salazarismo tem alguma base social de apoio em especial no país rural, no centro e norte do país, promove e explora o medo popular pelo desconhecido, agita o sentimento anticomunista que utiliza contra todos os que manifestam ideias democráticas ou reivindicam melhores condições de vida e de trabalho.

 Os partidos da oposição eram ilegais, apenas o partido comunista conseguiu resistir em condições muito difíceis de clandestinidade. Houve várias tentativas de derrube do regime feitas por militares e civis que não resultaram: conspiração da Sé 1959, a Abrilada de Botelho Moniz de 10 de Abril de 1961, e o golpe de Beja de 1 de Janeiro de 62, todas depois da campanha eleitoral de Humberto Delgado em 1958, nenhuma destas tentativas foi suficientemente bem organizada e apoiada.

A guerra colonial criou uma contradição fundamental ao regime: negociar uma via de saída politica com os nacionalistas das colónias portuguesas e contradizer a sua natureza de ditadura e império colonial ou continuar a guerra esgotando, todas as capacidades e recursos do país, sem possibilidade de vitória militar e política neste tipo de guerra.

O regime optou por continuar a guerra. Naturalmente os jovens oficiais do quadro permanente, cujas comissões se iam repetindo, começaram a interrogar-se e a tomar consciência que a continuação da guerra não era solução, tinha de haver uma saída política. Concluíram rapidamente que o regime tinha de ser derrubado pela força para estabelecer a paz. Sem hesitar deram esse passo a 25 de Abril de 1974.

O que tem este processo de original e singular? Sem dúvida que se tratou duma combinação positiva, simultânea e sucessiva de vários fatores, elementos, condições objetivas e subjetivas, irrepetível, que nos permite constatar o seguinte:

– A ação militar de 25 de Abril não seguiu qualquer modelo ou método específico, teórico ou prático ou tentativa de mudanças de regime. Não foi uma insurreição ou levantamento militar nem um golpe de Estado típico.

– Os improváveis libertadores saíram de um dos pilares do regime – as Forças Armadas.

– Na ação militar de âmbito nacional participam exclusivamente militares, faz-se sob a bandeira de um programa político elaborado por elementos do MFA sem participação de civis, ainda que inspirados nas teses da Oposição Democrática, aprovadas em Abril de 73 no Congresso da Oposição.

– Houve um binómio em dois tempos: ação militar e programa político.

– Os militares do MFA não assumem o poder, delegam-no numa Junta de Salvação Nacional que nomeará um Governo provisório de civis para aplicar o programa político.

– No dia 25 de Abril a adesão espontânea e imediata do povo em Lisboa e seguidamente em todo o país, transforma a ação militar libertadora num processo revolucionário progressista, aberto a toda a sociedade, englobando diversas sensibilidades e camadas sociais

Outro binómio: Movimento militar- Movimento popular

– O 25 de Abril ocorre sem derramamento de sangue por parte dos jovens militares que são impulsionados por valores éticos e morais e por uma vontade de paz, liberdade e não violência, conseguem que o 25 de Abril seja o “dia inteiro e limpo” de grande alegria e participação populares.

– O 25 de Abril caracteriza-se também por dimensões éticas e estéticas únicas que o transformaram num caso muito especial da HISTÓRIA NACIONAL E INTERNACIONAL

Foi um momento luminoso da nossa história. É evocado na nossa memória coletiva como constituinte da identidade portuguesa. A imagem de Portugal muda rapidamente, em especial no estrangeiro, os nossos emigrantes passam a sentir orgulho de ser portugueses, o que antes não acontecia. Internamente o processo é mais lento, sobrevivem alguns esqueletos do salazarismo, que se mantiveram nalguns hábitos e atitudes, ancorados no conservadorismo rural e religioso.

O 25 de Abril afirmou uma ideia clara e uma vontade de outro Portugal: aberto ao mundo, solidário, livre e democrático nas múltiplas dimensões: política, cultural, social, económica e estética. Hoje é incontestável que essa ideia de Abril foi fundadora da democracia instaurada pelo MFA e plasmada na Constituição de 1976.

Portugal e os portugueses apareceram aos olhos da Europa e do mundo como algo de excecional e inédito.

O 25 de Abril abriu as portas a um tempo novo de paz, liberdade, igualdade de direitos e deveres, de oportunidades e possibilidade de participação plena dos cidadãos na edificação de um país mais livre, solidário e justo.

Compete aos cidadãos apropriarem-se desse tempo e das suas realizações

Os valores de Abril constam da lei fundamental, compete ao soberano, o povo português (todos nós), cumprir e exigir o cumprimento da Constituição a quem exerce em seu nome o poder executivo, legislativo e judicial.

Hoje elementos e forças que influenciam o nosso devir histórico, estão fora ou escapam ao controlo democrático, refiro-me aos poderes financeiro, económico e comunicacional que se articulam à escala global ultrapassando claramente os Estados, capturando e condicionando o poder político e o próprio Aparelho do Estado, reduzindo substancialmente o espaço democrático e a possibilidade de iniciativa dos cidadãos.

A soberania do Estado Português está reduzida não apenas no âmbito de União Europeia por via do Tratado da União, mas também no seu próprio espaço de autonomia no âmbito internacional e de defesa dos interesses nacionais, da língua e cultura portuguesas, no espaço do Sul Global onde temos condições para nos afirmarmos.

O 25 de Abril conquistou para Portugal um lugar digno que lhe era devido no concerto das nações. Os sucessivos governos não têm sabido dinamizar e aproveitar esse espaço.

A democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa, prevista na Constituição artigo 2º, está longe de ter sido alcançada, podemos mesmo dizer que há um deficit cada vez maior e que os poderes não democráticos dominam hoje indiretamente a nossa vida política e diretamente a económica. As desigualdades crescem a par da frustração e insatisfação de muitas pessoas. A sociedade do consumo e do desperdício gerada pelo mercado e pela criação de necessidades artificiais está a caminhar para um ponto de rutura.

A desregulação dos mercados, os novos centros de poder transnacionais  e informacionais  questionam  cada vez mais o Estado Nação e o poder dos cidadãos organizados democraticamente , potenciam o aumento continuo dos excluídos  marginalizados e dispensados pelo sistema ,tornando-os presa fácil da demagogia ,do populismo e do autoritarismo

Nesta fase da vida das sociedades atomizadas, as desigualdades, a insatisfação e a frustração  individual crescem; o comando dos processos  escapa muitas vezes ao poder politico dos Estados , o controlo democrático dos cidadãos  ou dos seus  representantes  é muito fraco ou não existe  de todo.

O autoritarismo e a ultra direita estão em crescendo no mundo e na Europa, o que exige uma resposta clara dos cidadãos e das forças democráticas elevando o nível de consciência da situação ,dos seus perigos e ameaças ,preparando-se para o combate ,para a defesa ,promoção e aprofundamento da democracia ,valorizando os processos colaborativos  e inclusivos .

Para responder a problemas globais e salvaguardar a vida na Terra necessário articular lutas e soluções guiadas por valores universais e intemporais como os valores de Abril, que permitam conjugar capacidades e contributos de diferentes países, origens e culturas

Vivemos tempos de mudança e forte instabilidade. O que poderia ser uma transição negociável no sentido da multipolaridade passou a conflito armado que já chegou à Europa.

 O apelo ao belicismo e ao aumento das despesas com o armamento é um elemento motor da política de defesa da unipolaridade, que beneficia claramente a economia americana com prejuízo evidente da Europa.

Portugal tem por onde se guiar, basta conhecer, interpretar com seriedade e profundidade as linhas e princípios fundamentais da nossa Constituição: artigo 1º republica portuguesa –fins, artigo 2º Estado de direito democrático sua natureza, artigo 8º – Direito Internacional aplicável e o artigo 9º para as tarefas do Estado

Não negociar a transição e o conflito existente levará à intensificação da guerra e dos seus custos em termos materiais e de vidas humanas.

O crescimento da direita e da ultradireita em vários países europeus, incluindo Portugal, tem apoios na enorme massa de marginalizados, frustrados e desempregados gerados pelo atual sistema produtivo, financeiro e económico. Vivemos numa fase de transição do neoliberalismo do capitalismo predador para o “neo feudalismo” capitalista com base: na articulação dos centros de sistema financeiro, dos centros de poder das grandes empresas de plataformas e instrumentos digitais, dos novos proprietários ou gestores de bens comuns e de prestação de serviços públicos, que vivem sobretudo de rendas, juros, interesses e direitos e, por essa via, se apropriam do produto de quem trabalha: nos serviços públicos, na atividade produtiva direta, de quem cria, desenvolve e aplica a ciência e as novas tecnologias.

O neo feudalismo não hesitará em usar a máxima violência possível para se afirmar como a solução adequada para os velhos e novos problemas da sociedade.

Em Portugal o partido não nomeável alimenta-se também destes estratos sociais de descontentes, frustrados, desempregados e zangados e ainda de saudosistas do salazarismo e do império colonial, usa e polariza em seu beneficio os vícios, a corrupção, as fraquezas e incompetências de quem tem exercido o poder. Este partido e quem o sustenta, desempenham o seu papel nesta mudança em curso do neoliberalismo (capitalismo predador) para o “neo feudalismo” capitalista , onde os “direitos de propriedade” já não são sobre a terra, mas sim sobre bens comuns, serviços públicos, instrumentos, plataformas e aplicações digitais essenciais às novas formas de comunicação, de gestão dos “negócios” e exploração do trabalho alheio nesta sociedade do imediato , da imagem e do desperdício.

Está em curso, sob os nossos olhos. a desagregação e substituição do Estado de Direito Democrático de matriz social por uma articulação de Entidades independentes nacionais e internacionais não democráticas, aparentemente neutras, sem qualquer controle dos cidadãos nos domínios político, económico e social, cidadãos que foram devidamente anestesiados e fixados nas imagens convenientes ao poder.

O cidadão reduzido às dimensões de utente ou consumidor, está a transformar-se num novo “servo da gleba” ao serviço dos “proprietários” de direitos de prestação de serviços ou da disponibilidade de instrumentos e capacidades.

Os valores que nos motivaram, são intemporais, continuam plenamente actuais, defendê-los e promovê-los é continuar Abril.

Continuar Abril é lutar pela dignidade de cada um e do País, é não alienar a propriedade pública e os serviços públicos, é resistir ao individualismo, ao consumismo e imediatismo, é respeitar o legado de Abril de igualdade, solidariedade e independência, é impedir a desagregação do Estado Social, é criar redes de associações e de comunidades de cidadãos  responsáveis e actuantes.

Abril não é apenas passado, é presente e será futuro, todos nós, independentemente da nossa idade, continuamos a ser futuro exercendo a cidadania e a democracia participativa.

Abril é futuro

Abril  2024   –      Manuel B. Martins Guerreiro

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Conferência dos Oceanos


Posted By on Jul 12, 2022

Uma desassombrada e assertiva opinião da nossa associada e presidente do CPAS – Centro Português de Actividades Subaquáticas, Margarida Farrajota, sobre a Conferência dos Oceanos que decorreu recentemente em Lisboa, sob a égide das Nações Unidas e o apoio dos Governos de Portugal e do Quénia:

Apesar da intensa agenda mediática verificada durante toda a semana, dos inúmeros discursos interventivos, das muitas manifestações de interesse, das interessantes comunicações científicas, das habituais promessas e intenções, para uma resolução da situação em que se encontra o OCEANO, o espírito da Conferência revelou desde logo, falta de unidade na liderança estratégica face a uma expectativa na resolução efectiva e conjunta dos inúmeros intervenientes políticos que nela participaram.
Sinónimo disso é o facto de, após 17 anos de discussões e 7 de negociações, a conclusão ainda transitar para o próximo encontro a decorrer em Nova York em Agosto, com o Tratado das Nações Unidas para a Biodiversidade Marinha e se para tal houver então vontade política que produza acções vinculativas e não meras intenções, como tem acontecido.
Entre os objectivos incluídos nesse Tratado está a meta “30X30”, ou seja, 30% de Proteção dos Ecossistemas Marinhos em 2030. Contudo, ela só será aprovada na 15ª Conferência no Canadá a realizar no final deste ano, no seguimento do Tratado Internacional formalizado em 1992.
Mas, para haver essa Proteção dos Ecossistemas, é necessário saber o que se pretende proteger e garantir de forma eficaz a gestão, o financiamento e a fiscalização das áreas protegidas – não só no papel.
Entretanto, 11 milhões de ton. de plásticos, que representam 85% do lixo marinho, acabam todos os anos no Oceano. E, se nada for feito, esse número terá duplicado em 2030!
A questão é, portanto, saber para quando a elaboração de um Tratado Internacional juridicamente vinculativo e que regule o ciclo de vida dos plásticos. Se na 5ª Sessão da A. G. das Nações Unidas para o Ambiente, realizada há mais de um ano, foi dada luz verde nesse sentido, porque não está ainda a ser implementada tal medida e porque não se aproveitou esta ocasião em Lisboa para atingir tal objectivo?
Mas, as contradições não se ficam por aqui.
Ao mesmo tempo que os Governos apoiam a realização do Tratado Internacional, continuam no entanto a financiar os produtores de combustíveis fósseis… ou ainda, a pretenderem a mineração nos fundos oceânicos, cuja moratória não foi sequer abordada em Lisboa, o que contraria a extensa discussão sobre a mitigação das actividades humanas face à preservação da biodiversidade dos ecossistemas marinhos versus Economia Azul.
Quanto a Portugal – representando a ZEE portuguesa mais de 40 vezes o território nacional, o Ministério do Mar deixou contudo de estar autonomizado (aliás desde a década de 80 que tem sido alternadamente ora criado, ora extinto consoante os Governos, como aconteceu agora ou em 1995 no Governo de António Guterres), o que só por si revela um desinvestimento inexplicável do Estado português face aos objectivos, compromissos, gestão e ambições, sobre tão vasta área marítima.
Além disso, ao promover a relação Clima-Oceano como prioridade da sua política externa, o Governo português tem por finalidade atingir a neutralidade carbónica em 2050, ou seja enveredar por uma economia azul sustentável, no curto prazo.
A expectativa para que a Declaração de Lisboa (já por si elaborada previamente a esta Conferência…) pudesse representar uma decisão política vinculativa para os Estados, empresas, instituições financeiras, fundações e outras entidades relevantes, dissipou-se por completo, uma vez que não apresentou compromissos ou soluções concretas e vinculativas.
Perante as limitações da Declaração de Lisboa, vem-me à lembrança a fórmula tantas vezes usada pelo biólogo marinho, cientista, oceanógrafo, investigador e nosso querido amigo Dr. Mário Ruivo, sobre o desenvolvimento sustentável do Oceano – Uma Utopia Útil!

Margarida Farrajota
Presidente Direcção – CPAS

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Situação ciclicamente vinda a público, o ponto da situação do testamento de Igrejas Caeiro, no que concerne especificamente ao destino da sua casa em Caxias e respectivo espólio, bem como a venda de um terreno anexo por 370 mil euros, alegadamente destinados à manutenção e desenvolvimento da referida casa em função do conteúdo desse mesmo testamento, vai-nos surgindo, em cada novo momento, como menos claro ou inteligível.

Aqui ficam, sem comentários e como mero contributo para um desejável esclarecimento público, as ligações para uma recente investigação levada a cabo pela Renascença que descreve os pontos fundamentais deste testamento em favor da Fundação Marquês do Pombal, onde se pode ouvir, entre outras coisas, uma entrevista a um administrador desta Fundação.

EDIÇÃO DA NOITE – RENASCENÇA

  • Igrejas Caeiro (…)

02 mar, 2018

http://rr.sapo.pt/artigo/107050/igrejas-caeiro-hora-da-verdade-e-conselho-de-diretores

INVESTIGAÇÃO RENASCENÇA

  • Espólio de Igrejas Caeiro vendido ao desbarato em feiras e leilões

02 mar, 2018 – 08:00 • João Cunha

http://rr.sapo.pt/noticia/107057/legado-historico-de-igrejas-caeiro-em-risco

  • Testamento de Igrejas Caeiro pode ser considerado inválido

02 mar, 2018 – 15:58 • João Cunha

http://rr.sapo.pt/noticia/107110/testamento-de-igrejas-caeiro-pode-ser-considerado-invalido

 

 

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