Autora: Graça Patrão
Homenagem a Mário Piçarra
27 fev. /2020
Homenagem miragem
um dia sem
idade
Fnac, Oeiras
Foi num dia de fevereiro que encontrei
como por acaso
O LIVRO DAS TRÉGUAS naquela
Livraria e palavras
ditas endereçadas a
outro não-eu . E esperando ansiando…
nunca mais te vi. Tinha pensado
dizer AMIGO e não disse. Ousara pensar que estarias sempre à mesma hora. E tudo
foi diferente: um estremecimento
súbito recordou-me que nem sequer adoeceste não disseste Adeus e
nenhuma outra Primavera ouviria a tua
música o teu cantar terno e sossegado.
Há porém uma máquina
onde posso ouvir a tua voz. E
isso entristece-me. Não consigo
inserir o disco – imaginar que vives
naquela melodia que surge do
Não-Ser. E pessoas apressadas dirigem-se para a comemoração que
as sossega. A mim a Tranquilidade não me chega ao cérebro. Mas os teus
versos impõem-se. Simplesmente. E tudo é
a Natureza que nos consome que nos pertence porque
o SER é o TODO que flui e combustões estremecem sem preconceitos apenas
existem aqui
estão SOMOS NÓS!
Homenagem a Mário Piçarra onde li um poema de O LIVRO DAS
TRÉGUAS de Lídia Jorge.
Graça Patrão
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Autor: Jorge Castro
POEMA PARA O DIA DE AMANHÃ
certo dia plantei uma metáfora
no húmus de vaga ideia
que sem saber me aflorara
adubei-a a réstias de inspiração
e protegia-a de agruras de ventos crus
ou de fera maresia
quando vi que enraizara
enxertei-lhe um soneto lento
de rima cadenciada
a meia altura da base
até um ponto incerto
algures entre o desconhecimento
e coisa nenhuma
só para ver se florescia
cerquei-a de vivências torpes
de mal-queridas verdades
de atropelos e más sortes
mas também de três sorrisos
um de papoila
outro estrela
e outro de ouvir o mar
onde o tempo esmorecia
e quando chegou Abril
já muitos anos depois
de um tempo de clausura
vi a aventura crescer
direita ao céu
perturbante
em cada folha uma pena
em cada fruto um poema
e Abril acontecia.
- Jorge Castro
em tempos de covid19, de 16 de Abril de 2020
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Autor: José d’Encarnação
A força do poder autárquico
Mandar
pôr a bandeira a meia haste em sinal de luto pela primeira vítima cascalense do
vírus que nos assola e, também, por todos os que têm sucumbido poderá parecer
um acto menor.
Não
creio.
Simboliza,
para além do mais, a presença do poder autárquico e constitui a prova do que amiúde
se proclamava mas nunca deveras se sentira: são os executivos das câmaras municipais
e das juntas de freguesia que estão mais perto da população,
que sentem os seus anseios, que – se lhes derem meios – melhor e mais
eficazmente os podem satisfazer.
Mais
uma vez, Cascais está na linha da frente desse combate e soube ocupar a posição que o Governo central não poderia. A comunicação diária do Presidente aos munícipes a dar conta
do que se está a fazer, e como, mostra bem o que deve ser essa imprescindível política
de proximidade.
Nunca
como nestes dias se viram nas televisões tantos nomes de presidentes de Câmara
ou de Juntas de Freguesia a pugnar pelos seus munícipes e fregueses. Nunca como
nestes dias se arvorou bem alto o que Cascais há muito arvora: as pessoas em
primeiro lugar!
Muito
há, pois, para nos congratularmos.
Todos
estamos plenamente conscientes que vai haver um d. c., «depois do corona».
Mudará
seguramente o nosso modo de vida, porque já é um encanto olhar para além do mar
e ver, nítido, a sul, o Cabo Espichel, porque drasticamente diminuiu a poluição atmosférica.
Já
começamos a ter noção mais clara do
que é ser vizinho e da necessidade de haver os contactos de uns e outros, não
para andarmos metidos em casa alheia, mas para sabermos se está tudo bem e
comunicar no momento em que se dá conta de alguma anomalia.
Já
começamos a saber responder ao «bom dia!», à «boa tarde!».
Quanto
estranhava, até há pouco, quando, no passeio pelo bairro com o Spike, eu
saudava quem se cruzava comigo e nenhuma resposta eu recebia. Agora, não! Até o
condutor do autocarro se saúda, por se reconhecer o seu labor social, o seu espírito
de serviço. Justamente isso me chamou a atenção
em Londres: saudava-se o motorista ao entrar no autocarro, ele respondia num
sorriso, e agradecia-se-lhe ao sair e ele correspondia!
Uma
palavra ainda para a Comunicação
Social local e regional.
É
nestas ocasiões que o seu papel se mostra imprescindível. Uma rádio local que
nos mantenha informados, um jornal que supra as mil e uma mensagens que nos atafulham
o telemóvel e nós queremos é saber do nosso concelho, da nossa terra!
O
director de um dos jornais a que mui gostosamente dou colaboração pensou em suspender a publicação, devido a não existirem eventos a noticiar nem
publicidade que o mantivesse. E o executivo camarário impôs-se: «Não, senhor!
Publica, pois! Nós ajudamos!».
Vamos
tendo máscaras, centros de diagnóstico, alojamento em hotéis e alimentação para o pessoal da linha da frente, graças à
forte colaboração de todos.
Rapidamente, os técnicos alteraram as linhas de produção
para satisfazerem as necessidades prementes…
Vamos
levar a embarcação a bom porto!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 321, 2020-04-08, p. 6.
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Autor: José d’Encarnação
«Está um lindo dia pra sorrir!»
Duas secções
reúnem as preferências dos leitores, sobretudo da imprensa local e regional: a
necrologia e uma outra, que nunca a ser mesmo secção
porque, amiúde, quase serve para tapar um buraco na paginação. Essoutra poderia chamar-se prosaicamente
«anedotas» ou, de preferência, «Rir é o melhor remédio». Prefiro este título
porque, dizem os entendidos, rir ou, simplesmente, sorrir é atitude que faz trabalhar
todos os músculos da cara e, desta forma, se mantém um rosto livre de
desgostoso encarquilhamento. Recordo-me de um conferencista que incitou a assistência
a abrir a janela pela manhã e proclamar «Está um lindo dia pra sorrir!». Desde
esse dia, o despertador do meu telemóvel tem mesmo essa frase! E dá resultado!
Com
isto tudo, perdi a necrologia pelo caminho; mas não interessa, porque toda a
gente sabe porque é que gosta de ler a necrologia!…
Dizem
que o Português é danado para anedotas. As picantes, as menos picantes, as de
humor negro (estas, umas das preferidas)… Sempre ouvi afirmar que, no
decorrer da II Grande Guerra, corria uma observação:
«Se queres ouvir uma boa anedota sobre a guerra, vai a Portugal!».
Portanto,
guerra é guerra, Covid-19 dá-nos luta e nós já lhe declarámos guerra cerrada.
Esse, o motivo porque recebemos diariamente uma catrefada de anedotas acerca do
malandro. Sim, malandro é e não tem graça nenhuma. Entra, sorrateiro, goelas
adentro, instala-se, nem sequer atira um piropo às células, o que ele quer é comê-las
e leva tudo de vencida. Poderia ainda fazer uma pausa, encantar-se com uma ou
outra das celulazinhas que tão sossegadas estavam no seu labor e ficar enamorado,
quietinho. Nada! É para matar, é para matar e pronto! Violência doméstica ao
mais alto grau! E pobres dos leucócitos que nem tempo lhes dá para entrarem em
acção.
De
violência se queixou também o canito:
–
Raios o partam, esse tal de covid! Toda a vizinhança me quer levar a passear.
Estou que nem posso!
Do
vírus não escapou a Última Ceia, de Leonardo da Vinci, que, como se sabe, se
mostra no Convento de S. Maria delle Grazie, em Milão, um dos epicentros da
peste. Primeiro, Cristo e os Apóstolos fugiram com medo; depois, voltaram, mas houve
logo quem deles fizesse queixinha e entrou a guarda:
–
Andor!… O que é?… Quero lá saber quem é o teu pai!… Isto é um ajuntamento,
tá proibido, tudo prá esquadra já!
José d’Encarnação
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Autor: José d’Encarnação
Os vizinhos
D.
Lurdes morava paredes-meias com o professor.
Quando
se encontravam, era habitual o «Olá, vizinha, como vai?», «Olá, vizinho, bom
dia!».
Um
dia, porém, o professor tomou posse como Presidente da República. Dias depois,
ao reencontrá-lo, D. Lurdes ficou atrapalhada, porque não sabia como falar-lhe.
O professor apercebeu-se da atrapalhação e saudou:
–
Olá, vizinha!
E
ela respondeu como dantes:
–
Olá, vizinho, como vai?
E
riram-se, num cumprimento amigável.
A
história é real, como facilmente se compreende.
E
conto-a em pleno auge da pandemia do coronavírus, quando imagino – como todos, decerto
– que a História futura, caso a Humanidade consiga sobreviver, terá a partir de
2020 uma nova cronologia a. C. e d. C., em que o C. significará não Cristo mas
Corona. Vamos, não há dúvida, alterar por completo o nosso paradigma de vida,
dar muito menos importância a pormenores que ora vemos serem de nenhum
interesse e dar muito maior importância a outros, como este da vizinhança.
Um
amigo meu, por sinal poeta com obra publicada, já com a provecta idade de mais
de 80 anos, «desapareceu do mapa». Perguntei por ele aos vizinhos e amigos mais
chegados, porque não atendia telefone nem telemóvel nem respondia ao correio electrónico.
Sabia-se que ele tinha um filho, que por sinal nunca se vira. Perguntei na
Junta de Freguesia com a qual ele amiúde colaborara. Ninguém sabe do senhor!
Vagamente, que foi para um lar. Desconhece-se qual, desconhece-se o contacto do
filho… E todos estamos com pena de não lhe poder falar, dar-lhe quiçá uma
palavra de alento. Se calhar, até já faleceu e ninguém disse nada!
No tempo dos Romanos, os habitantes de um «vicus», a aldeia, eram os «vicini», os vizinhos. De «vicus» veio «beco», passagem estreita. Não são becos as nossas aldeias e bairros, mas essa prístina ideia de proximidade deve continuar a prevalecer. Não apenas na saudação matinal «olá, vizinha!» mas no facto de termos de todos os vizinhos e eles terem de nós os necessários contactos, para mantermos estreitas as relações em tempo de… pandemias! E não só!
José d’Encarnação
Publicado em Noticias de S.
Braz [S. Brás de Alportel] nº 281, 20-04-2020, p. 15.
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Autor: José d’Encarnação
O gigante com os pés de barro
Inevitável que a crónica
de hoje seja a propósito do que, a nível planetário, estamos a viver, o clima
de guerra biológica total.
E
ocorreu-me, necessariamente, como de certeza ocorreu a muitos, a imagem da
grande estátua com os pés de barro, imagem amiúde usada para mostrar que, para
ser grande em todos os pontos de vista, importa sê-lo da cabeça até aos pés! E
os gigantes de pés de barro, afinal, ostentam ser deslumbrantes, mas faltam-lhes
as bases – e leve enxurrada basta para que toda a sua prosápia caia por terra.
Grande
era, até ao aparecimento do coronavírus, quem detinha enormes empresas ou inabalável
potencial bélico!… E um viruzinho malandro, surgido não se sabe bem donde, às
escondidas, veio mostrar que isso das grandes empresas, do poder político e
económico imperturbável, do potencial bélico constituía, afinal, presa fácil de
um bichinho minúsculo, invisível a olho nu, que até nem se sabe como se propaga
nem que cara tem, ainda que, nos ecrãs das televisões, nos aparecer a sua
imagem esférica, cheia de pólipos ameaçadores. A imagem até nem é desengraçada
de todo e vai, decerto, servir de modelo para peluches, quando a pandemia
passar…
Outras
imagens nos surgem também: as da guerra no Médio Oriente. E não só. As intermináveis
filas de refugiados a caminho de fronteiras, para além das quais (pensam!) as condições
de sobrevivência serão melhores. E nós, os que, felizmente, nascemos num pais
pequenino e minimamente sossegado, nós, que não temos a menor ideia do que seja
isso de andar com os parcos pertences às costas, fugindo às balas e às
armadilhas, nós ouvimos falar da imagem «a vida é como um carrossel, ora estamos
em cima, ora em baixo», como em montanha russa, mas não consciencializamos exactamente
o que é mesmo essa história da precariedade da vida. Sim, o treinador de futebol,
mesmo que o clube tenha vendido os melhores jogadores, é obrigado a ganhar
sempre, sob pena de ser despedido. Hoje está nos píncaros, amanhã, se a equipa
perder, é ele que perde e vai para o mais profundo dos infernos. Há um dito
latino que o retrata bem «sic transit gloria mundi!», «assim passa a glória do
mundo!»…
Passa,
passagem, transitoriedade, caminhada…
Nestes
dias de quarentena, fomos obrigados a parar. E é bom parar. David Kundtz
escreveu mesmo um livro a que, na tradução
portuguesa, se deu o título de «Parar (Como parar quando temos de continuar)».
E esta paragem forçada despertou-nos, na verdade, para um novo paradigma.
Depois do coronavírus, nada nas nossas vidas vai ser como dantes!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 774, 01-04-2020, p. 11.
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