Posted By on Set 29, 2021

Textos por Oeiras
– Mariana de Arriaga: memória de uma quinta de Oeiras

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Textos por Oeiras
– Mariana de Arriaga: memória de uma quinta de Oeiras

Autor: Jorge Miranda

A “Illustrissima e Excellentissima Dona Mariana Joaquina Appollonia de Vilhena Coutinho”, como é referida em vária documentação oficial, passou à posteridade com o singelo nome de Mariana de Arriaga. Nascida, no seio de uma nobre família minhota, com assento na corte régia, em Arcos de Valdevez, a 16.8.1748, cedo conheceu a privança do paço. Sua mãe, D. Inácia Clara de Vilhena Coutinho, era açafata da Rainha D. Maria Ana Vitória, assim como ela o foi da princesa D. Francisca Maria Benedita e dama da câmara de D. Maria I, que muito a estimava e, por isso, uma das suas principais conselheiras, dado o “seu muito discernimento e maneiras polidas”. Dispunha de aposentos especiais no palácio de Queluz. Casou, a 2.2.1769, com o desembargador Miguel de Arriaga Brum da Silveira (um dos homens de confiança do futuro marquês de Pombal), nascido na Horta (Açores), a 27.7.1716 (32 anos mais velho), sendo padrinhos o ainda conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, e seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, na presença do reverendo Paulo de Carvalho e Mendonça (a trindade dos Carvalhos). Sem descendência, ficou viúva a 25.2.1773. Não mais se casou, vindo a falecer, em Oeiras, onde ficou sepultada na igreja matriz em 18.10.1820. Embora tendo sobrinhos, por instrumento de doação entre vivos, celebrado a 26.2.1818, foi herdeiro dos seus bens móveis e imóveis o capitão de artilharia António de Vasconcelos Abranches Castelo Branco, ao tempo solteiro, que nasceu, em Midões, a 5.7.1779.

Não obstante ser referida amiúde, a História não se tem detido sobre a personalidade de D. Marina de Arriaga. Escasseiam as informações e, mesmo, quando se encontram, são extremamente lacónicas. Surge como uma sombra ou um pequeno ponto na História. No entanto, sabemos que gozava de consensual estima e admiração. Apenas a apreciação do conjunto da sua cultura, inteligência e beleza adquiriu áurea dimensão e foi exaltada, sobretudo pelos poetas árcades. Para estes – e não só – , a Armânia – o seu lírico anagrama – foi musa inspiradora e fada benfazeja. Particularmente gabados foram os seus olhos verdes – “sereia dos olhos verdes” lhe chamaram.  Neste ambiente, o salão literário que promovia nos seus aposentos palacianos era muito frequentado, desde a marquesa de Alorna a Bocage e Nicolau Tolentino, entre outros.

A quinta do Mocho, em Oeiras, herdou-a seu marido. Legara-lha o tio Manuel José de Peyrelongue (Francisco Ildefonso dos Santos, no seu precioso Memorial Histórico, omite este proprietário). De utilitária casa agrícola, com as construções e arranjos efectuados, a propriedade passou a distinguir-se pelas suas “casas nobres” – o palácio -, ao estilo pombalino, servidas por ampla escadaria e adornadas de azulejos. Para a realização dos serões culturais ou literários, dispunham de uma “sala de concertos”.

Também o conjunto foi enriquecido com a construção de jardins (um deles suspenso), a que não faltavam a elegante cascata, o lago, grutas labirínticas, a aproveitar as anfractuosidades rochosas, a alcandorada casa de fresco, o cais de pedraria na ribeira da Laje e o bosque para deleite dos poetas que aí “alojaram” as míticas ninfas.

D. Mariana Arriaga não se deslocou para o Brasil em 1807, na sequência das invasões francesas. Pouco depois, e até ao seu falecimento, terá habitado, de forma permanente, o palácio e a quinta que preservam a memória do seu nome. Terá transferido a “sua” – a que não debandou – corte para Oeiras. No seu salão, muitos serões musicais e literários ter-se-ão realizado. Animou, social e culturalmente, Oeiras.

Há muitos silêncios e porquês na História. Uns não têm resposta; outros, paulatina e pacientemente, vão-se clarificando. Mas, sempre, muitas interrogações permanecem… A História nunca está acabada.

  • Jorge Miranda

7 Comments

  1. Sem dúvida. A história de Oeiras em particular teve e tem quem lhe deu continuidade. Haja da parte do poder central e local mais vontade de apoiar a fixação sempre renovada da Memória no Espaço que é dos cidadaos.

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  2. Muito interessante e com muita informação.

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  3. Muito interessante.
    Obrigado

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  4. Obrigada, gostei de conhecer

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  5. Li com muito interesse a história desta dama, cuja vida me suscitou a curiosidade. Terá sido uma vida semelhante à de tantas damas de então, com casamentos estranhos (sendo ela tão interessante, física, social e culturalmente, não teria tido a possibilidade de ser feliz com um cavalheiro da sua idade?!) e códigos de conduta que as menorizavam.
    Aprecio também sempre os textos do Jorge Miranda, pela sua erudição e elegância.
    Obrigada.

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  6. É para mim um enorme prazer ler os textos do Jorge Miranda e sobretudo este sobre Mariana Arriaga. A investigação – seja histórica ou qualquer outra – nunca está terminada, é um processo sempre em evolução. Por isso espero que a Mariana não acabe aqui e continue… para nosso deleite e contentamento. Abraço e muito obrigada.

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  7. Obrigado por estas preciosas informações sobre a Senhora Arriaga.

    Em 1816, D. Mariana, já com 68 anos e talvez um pouco desfasada das realidades, tentou convencer o seu primo António de Araújo de Azevedo, Conde da Barca e ministro da Marinha da corte no Brasil, que tinha acabado de dar à luz o tal António de Vasconcelos — que você cita como tendo nascido em 1779 e que foi herdeiro de todos os bens dela, por doação entre vivos, em 1818. Diz D. Mariana na carta de 1816 ao Conde da Barca que na idade em que ela estava aquele nascimento era um “fenómeno raro”. Para ler a carta digitalizada online:
    http://pesquisa.adb.uminho.pt/details?id=1411380
    Claro que nem o Conde da Barca nem ninguém deve ter acreditado no “fenómeno” e D. Mariana, então, recorreu à doação dos bens ao tal António Vasconcelos.
    Obrigado mais uma vez e cumprimentos
    José Barreto

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