TEXTOS POR OEIRAS


Autor: Fernando Lopes

Perto da actual Praça Alves Redol, em Caxias, está um monolito (1) de cerca de 1 metro de altura, com  uma estrutura quadrangular e topo arredondado, quase escondido numa sebe que bordeja a Ribeira de Barcarena. Observado de perto, percebem-se nele vestígios de incisões que apontam para uma escrita muito erodida pela passagem do tempo.

Estamos em presença de um marco de estrada, situado numa via que já sofrera muitas alterações, particularmente ocorridas depois das grandes cheias que assolaram Caxias em meados do século passado (2). De estrutura simples e estranha na forma, fora moldado pela passagem do tempo e das intempéries. Apontava para uma época algo recuada. Que faria ali? A quase imperceptível leitura não apontava para o topónimo do local. Teria sido ali esquecido ou simplesmente abandonado?

Das origens

Os actuais sistemas de sinalização das estradas não deixam de ser herdeiros de outros muito antigos. Recordamos de imediato os marcos miliários, observáveis na berma de alguns caminhos ou resguardados em museus (3). Sabemos que se distanciavam entre si de 1000 passos ou cerca de 1480 metros e que acompanharam a expansão da rede de estradas e calçadas dos espaços sucessivamente romanizados a partir do século IV aC.

Após o declínio do império romano e o fim do período medieval, as vias de comunicação terrestres por onde transitaram durante séculos populações, exércitos e comerciantes,  acabaram por perder a sua função inicial de ligar a extensa rede viária que o vulgo dizia chegar e partir de Roma. Em parte do território lusitano e galaico, onde é hoje Portugal, subsistiram pequenos itinerários, abandonados ou de reduzido uso.

Do Período Romano à Idade  Moderna

A presença romana no território oeirense está suficientemente atestada pelos diversos achados arqueológicos que apontam para uma distribuição significativa de casais e vilae. Parte do amplo “ager olissiponense”, Oeiras vai contribuir para o abastecimento da grande urbe em diversos produtos, dentro os quais destacaríamos o pescado e, naturalmente, os cereais, o vinho e o azeite, enquanto principais produtos de tradição mediterrânea. As vias percorreriam os limites das propriedades, ligando-as ou seguindo em direção ao rio. Estes “caminhos vicinais” sofreram transformações posteriores  que hoje dificultam a sua confirmação. O seu carácter rude , quase sempre em terra batida, aproveitava os afloramentos rochosos e, apenas nas proximidades das vilae, assumia a formação de calçadas com cerca de 2,5 metros de largura (GUILHERME CARDOSO & JOÃO LUÍS CARDOSO, a Ocupação Agrária do Concelho de Oeiras na Epoca Romana, VI Encontros de História Local do Concelho de Oeiras- História, Espaço e Património Rural, CMO, 2005).

Razões históricas diversas, como a insegurança que se seguiu à pax romana ou mesmo a procura de maior comodidade, podem explicar o progressivo abandono das antigas vias em benefício dos percursos fluviais e marítimos. Em Portugal, na segunda metade do século XVIII, as poucas estradas existentes, de iniciativa régia, não passavam de caminhos de má qualidade que requeriam constante manutenção.

O renascimento da rede viária e o advento da toponímia republicana

Ultrapassados os períodos anteriores, a partir de meados do século XIX é estruturada uma rede viária nacional devidamente classificada em Estradas Reais (de 1ª ordem), Estradas Distritais (de 2ª ordem) e Estradas Municipais. Esta rede vai ligar os centros mais importantes do País, aproveitando alguns dos traçados pré-existentes. É também retomado o conceito romano de marco miliário, agora como marco Quilométrico, a que se associa um maior cuidado com a sinalização. Ora, é aqui que entronca o nosso marco que apresenta numa das faces a inscrição EN 64 e na outra a palavra CARTUXA.

Depois da implantação da República as Estradas Reais passaram a designar-se Estradas Nacionais. Daí a referência “EN” observada no marco em análise. Já um dos algarismos inscritos, o “6”, está associado à antiga Estrada Real que entrava em Caxias. Esta, após passar em frente ao Palácio Real, atravessava a velha ponte (4) de um só arco e bifurcava. Virando à esquerda, a via principal seguia para Paço de Arcos. Virando à direita, um ramo secundário entrava no Lagoal e prosseguia para montante,  acompanhando a margem direita da Ribeira de Barcarena no sentido de Laveiras(5). Mais adiante passaria para a outra margem na direcção do Mosteiro, depois Instituto de Reeducação Padre António de Oliveira.

Até finais do século passado, o itinerário “Caxias-Cartuxa” ainda era referenciado nos Planos Rodoviários (6) como o “ramo da Cartuxa”, com o número “4”, da Estrada Nacional, com o número “6”.       

Estranhámos a referência à Cartuxa, já que hoje existe uma estrada, assim designada,  que se situa entre a ponte do mesmo nome e a Estrada do Murganhal, sendo que o citado marco se encontra numa avenida hoje dedicada a António Florêncio dos Santos (7), pedagogo e diretor da Escola Académica, com actividades em Caxias/Lagoal na viragem do século XIX.

A presença Real em Caxias

Recentemente, a Torre do Tombo disponibilizou, no seu sítio da internet, um ficheiro descritivo da documentação existente relativa ao “Fundo da Cartuxa” (PT/TT/HLV). Nele é possível ler várias referências a um “caminho para Queluz” ou à “abertura da Estrada para Queluz”, a partir da segunda metade do século XVIII. Poder-se-á concluir que até à edificação da Quinta Real de Caxias não existia a actual ligação a Queluz, popularmente designada do Murganhal, com início na antiga Rua da Bela, hoje Dr. Jorge Rivotti, a partir da Estrada da Gibalta, antiga Estrada Real.

A partir de D. Maria I e D. Pedro III, o trajecto usado desde aquela residência palatina, com destino ao Palácio e Quinta Real de Caxias e, mais tarde, à Casa de Massarelos, será o mais usado pela família real. O lugar de Caxias torna-se progressivamente relevante nas deambulações e permanências régias. Se antes era pelas visitas ao Mosteiro de Laveiras, por altura de São Bruno, agora será pela estância nas residências da Quinta Real em períodos estivais.  Por esta altura começava a despontar a prática terapêutica  associada aos banhos de mar que irão tornar Caxias e localidades próximas, com as suas praias, um lugar apetecível para a Corte e aristocracia, muito antes de Cascais.

O impacto viário e urbanístico da nova via Marginal em Caxias

A actual Marginal, continuação da antiga Estrada da Circunvalação de Lisboa, cuja designação caiu em desuso, foi concluída em 1942. A sua construção viria a alterar o percurso antigo, entre a Gibalta e a Giribita, afastando-se do Palácio Real de Caxias por onde passava até àquela data (8).

Situada na Riviera Portuguesa, também referida como a Costa do Sol, a Marginal dos anos 40 era uma obra acarinhada pelo regime do Estado Novo e muito associada à figura do Engº. Duarte Pacheco. Contornando o antigo lugar de Caxias, a nova estrada acabaria por poupar parte do primitivo burgo caxiense, composto de casas apalaçadas e de veraneio. No entanto, o seu traçado levou à destruição de algumas edificações em Caxias, como a casa onde viveu Teixeira Gomes. Também sofreram mutilações o antigo Convento de Nossa Senhora da Boa Viagem e o Forte de Nossa Senhora do Vale (9), de que ainda restam vestígios. Este antigo bastião, destinado a cruzar fogo com as fortalezas em torno, passaria mais tarde a servir como porto de embarque da pólvora negra proveniente da Fábrica de Barcarena. No entanto, infelizmente, permanece quase desconhecido dos utilizadores do actual Passeio Marítimo.

A nova Avenida Marginal, galgando a praia junto ao Forte de São Bruno, venceria a Ribeira de Barcarena através de uma nova ponte, paralela à ferroviária já existente desde o século anterior. Depois, prosseguiria ao longo da margem do Tejo para Paço de Arcos e Cascais.

No Plano Rodoviário Nacional de 2000, a Marginal é referenciada como EN 6 e desaparece a referência ao tramo, ou ramo, da Cartuxa, assinalado como  “4” no marco mencionado. Esta estrutura, com a respectiva inscrição, terá sido ali colocada já depois do Novo Plano de Estradas de 1913. As grandes transformações urbanísticas ocorridas em Oeiras terão justificado a  posterior reclassificação da estrada, agora Avenida António Florêncio dos Santos,  e a sua integração na rede de Estradas Municipais. 

  • Fernando Lopes  

(1)

Marco com a inscrição EN 6 4 e CARTUXA

Nota: Fotografia do autor do artigo.

(2)

Cheias em Caxias 1967 com a localização do marco, aqui perfeitamente visível.

Fotografia obtida na Net

(3)

MP(eratori) / CAESARI/M(arco) (hedera) AVRELI / O PROBO / PIO FEL(ici) I(nvicto) […/…/…]
Tradução: Ao Imperador César Marco Aurélio Probo, Pio, Feliz, Invicto […]

Marco miliário romano . Museu da Cidade de Lisboa

(4)

Fotografia postal da Ponte de Caxias, no Lugar do Lagoal, nos primórdios do século XX, por onde ainda passava a Estrada Real, depois Nacional (Arquivo da CMO).

(5)

Pormenor em Carta dos Arredores de Lisboa, Folha 1, Oeiras(1843-46), onde é visível o trajecto da antiga Estrada Real à passagem por Caxias. Cartografia de Oeiras, 4 Séculos de Representação do Território (Do Século XVI ao Século XX), Coordenação de Joaquim Boiça, Ed. CMO, 2003.

(6)

Plano Rodoviário Nacional de 1945-Decreto Lei 34593, de 11 de Maio de 1945

(7)

António Florêncio dos Santos

Imagem recolhida na Net

(8)

Anterior Estrada Real, Actual Estrada da Gibalta frente ao palácio Real

Revista Branco e Negro. Semanário Ilustrado, nº, 78, 26 de Setembro de 1897.

(9)

Vestígios do antigo Forte de Nossa Senhora do Vale, parcialmente destruído para dar lugar à Marginal. A

construção recente do Passeio Marítimo viria a esconder grande parte dos vestígios observados na imagem.

Nota: Fotografia do autor do artigo.

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Autora: Ana Teixeira Gaspar

Até ao século XIX as crianças eram muito pouco chamadas à vida pública das famílias. Raramente apareciam nos retratos familiares e só quando cresciam lhes davam alguma importância.
Ora, Sebastião José de Carvalho e Melo, o primeiro conde de Oeiras e marquês de Pombal, como bem sabemos, viveu alguns anos em Londres e Viena, daí ser apelidado de “estrangeirado”, impulsionando costumes que, para a época no nosso país, eram bastante avançados.
A família Pombal no seu tempo era diferente da restante aristocracia. Convivia com estrangeiros, e no que diz respeito às crianças é interessante verificar alguns aspectos inovadores, aqui praticados pelo casal constituído por Maria Amália Eva de Carvalho Daun, a filha mais nova dos primeiros marqueses de Pombal, e João de Saldanha, morgado de Oliveira e de Barcarena e futuro conde de Rio Maior.
A 12 de setembro de 1789, João de Saldanha escreve ao seu cunhado, Henrique José – o 2.º marquês de Pombal -, descrevendo o quotidiano familiar na Quinta da Granja, em Sintra, propriedade deste último. Como este casal possuía bastantes filhos (ao todo tiveram 11 filhos, um dos quais foi o marechal Saldanha), os passeios eram dados por grupos consoante as idades, o que é verdadeiramente significativo da relevância dada às crianças pelo casal: “Quanto a nós a vida que se faz é a que tu nos ensinaste quando nos anos passados nos tinhas aqui de assento (…) Pouco depois [do almoço] vamos ao passeio e este é dividido em três ranchos porque os tamanhos dos filhos assim o pedem; na volta como as noites são compridas também se levam a ler” (Biblioteca Nacional, Colecção Pombalina, PBA 707, fl. 30 e 30V).
Passear as crianças, em vez de as deixar ao cuidado das amas, já era bastante inovador, agora diversificar os passeios de acordo com as idades, isso é, do nosso ponto de vista, completamente extraordinário.
O embaixador francês Marc-Marie, marquês de Bombelles, durante a sua estada em Portugal, foi visita regular da família Pombal e, a dada altura, desloca-se a casa dos morgados de Oliveira, para cumprimentar D. Maria Amália, ainda convalescente de parto recente. É recebido pela filha mais velha da parturiente, de 11 ou 12 anos, que faz de anfitriã, substituindo a mãe que, de acordo com a prática de então, não podia ainda sair do quarto. A jovem vai cantar uma ária italiana, sendo acompanhada por um negro de Angola, que dança para divertimento dos presentes (Marquis de Bombelles, Journal d’un Ambassadeur de France au Portugal (1786-1788), p. 34), o que, tendo em conta os costumes da época, em que as meninas só podiam sair de casa ou estar na presença do sexo masculino, se acompanhadas pelas mães, é verdadeiramente extraordinário e revelador de uma atitude de grande modernidade. É também Bombelles que, no seu diário, refere ser a família Pombal das raras famílias da aristocracia portuguesa a conviver com estrangeiros, frequentando as festas que estes davam, exemplificando com uma festa dada pelo embaixador inglês, Walpole, em que a maioria dos aristocratas portugueses recusou os convites, contando-se a família Pombal entre as raras excepções (idem, p. 305).
Assim, podemos concluir que a família Pombal foi verdadeiramente inovadora e moderna no que diz respeito à forma como as suas crianças eram tratadas.


Ana Teixeira Gaspar

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Autora: Ana Gaspar

Tradicionalmente o surto do movimento grevista em Portugal é apontado no ano de 1872. Porém, um ano antes, em 1871, despoletou em Oeiras uma greve assim descrita por Eça de Queiroz, em Uma Campanha Alegre: «Este mês a opinião preocupou-se com o que se chamou a greve de Oeiras. Parecia realmente indecoroso que Lisboa, já civilizada, com teatro lírico e outros regalos de capital eminente, não tivesse esse chique social – a greve! Oeiras, com uma dedicação amável forneceu-lhe esta elegância. Oeiras deu a greve. Os nossos estadistas puderam ter ocasião de comentar a nossa última greve, e de falar no terrível proletariado”.

Há 150 anos, em novembro de 1871, 53 tecelões da Fábrica de Lanifícios do Areeiro, em Oeiras, iniciam uma greve, protestando contra a diminuição do vencimento, por imposição do proprietário, para fazer face à concorrência estrangeira. O patrão, José Diogo da Silva, impõe um salário baseado na produção dos tecidos, mas as contas entre o patrão e os operários não são as mesmas, dado que todo o trabalho de preparação da teia, indispensável para a produção do tecido, não era contabilizado pelo patrão. Os tecelões calculam uma diminuição de 30% do salário, enquanto o patrão estima essa diminuição em apenas 10%.

Esta greve, que dura um mês e seis dias, vai ser notícia nos jornais da capital – sendo que uns, como o “Diário de Notícias”, colocam-se do lado dos operários e outros, como o “Jornal do Comércio” e o “Eco Americano”, chegam a insinuar que estes estão a ser manipulados por forças estrangeiras com motivação política. Provoca a solidariedade dos operários da região de Lisboa, que promovem iniciativas com vista à angariação de donativos para os seus companheiros de Oeiras, mas, sobretudo, a greve vai provocar a falência da direção do Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, que será substituída por outra de cariz mais virado para o apoio aos trabalhadores, contribuindo seguramente para o desfecho positivo do movimento grevista do ano seguinte em todo o país.

Localmente, a greve impulsiona a consciência de classe com a criação em Oeiras de associações de carácter mutualista, artístico e de resistência, como a Sociedade Cooperativa 19 de Dezembro (data do termo da greve), a Associação de Socorros Mútuos de Oeiras e a Associação Socialista 18 de Março (data da Comuna de Paris).

Assim, Oeiras foi pioneira e esteve, no final do século XIX, bem à frente na defesa dos interesses dos trabalhadores.

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Autor: Fernando Lopes

Corria o ano de 1583 quando o tabelião Luís Bulhão certificava o contrato de aquisição de uma quinta em Laveiras, por parte de D. Luís de Almeida, cavaleiro de El Rei, a D. Jerónimo Lobo, tutor de Miguel de Almeida.

O novo proprietário havia feito fortuna nas ilhas do Golfo da Guiné. Bem relacionado, casara com Simoa Godinho, “parda” de nascimento, descendente dos primeiros povoadores de São Tomé, senhora de fazendas de produção açucareira e de grande número de cativos africanos. O tráfico negreiro não lhes era estranho. Conflitos sociais ocorridos nas ilhas em meados do século XVI, fizeram o casal instalar-se na capital, manejando a partir daí os seus negócios que incluíam investimentos fundiários no reguengo de Oeiras.

Em 1603, já falecido o casal, na presença do representante do julgado de Oeiras, é confirmada a entrega da quinta de Laveiras aos cartuxos, mediante acordo entre a Ordem adquirente e a Misericórdia de Lisboa, executante do testamento deixado por Dona Simoa e aberto em 1594, no dia imediato à sua morte.

Só a vontade régia de Filipe I e a intervenção papal permitiram aos monges brunos a posse da quinta e a instalação do Mosteiro. Das “cabanas” iniciais ao imponente cenóbio joanino, decorreram fases construtivas e alterações sucessivas, seguidas do restauro, após o terramoto de 1755, atribuído a Carlos Mardel.

Em 1833, temendo a aproximação das tropas liberais, os monges abandonam o Mosteiro de Nossa Senhora do Vale da Misericórdia. Com a extinção das ordens religiosas e a expropriação do património, recolhidas parte das obras de arte, o edificado e a quinta são vendidos a um particular e, posteriormente, perdidas a favor do Estado.

No final da década de 70, do século XIX, iniciam-se as obras de construção do Forte de D. Luís, em Caxias, no terminus do Campo Entrincheirado de Lisboa. O Palácio Real passa a sede do Governo Militar e a Cartuxa é transformada em caserna para instalação de sapadores em serviço no complexo militar que rodeava Lisboa.

Segundo notícia no “Diário Ilustrado”, de 27 de Julho de 1880, no início da adaptação da igreja e sacristia em habitáculos militares, um oficial avisado faz uma descoberta macabra de ossadas abandonadas em cubículos e capelas. Também são referidos dois caixões com os corpos do bispo do Funchal e do bispo do Porto que foi, também, Patriarca eleito de Lisboa e Govenador do Reino. Terá sido grande a impresão dos povos em redor com o estado intacto dos corpos dos eclesiásticos ainda paramentados.

O oficial responsável pelo quartel improvisado, com a colaboração da administração do Concelho, procedeu à transladação das ossadas que estavam dispersas para o cemitério de Oeiras, acorrendo a população e o clero local em sentida homenagem processional. Já, segundo a notícia, os corpos dos prelados permaneceram encaixotados nos seus cubículos. Quando solicitada a intervir, a Câmara alegou falta de verba. Por seu turno, a administração central não se manifestou, talvez porque estivesse ocupada com a substituição do governo. No entanto, a Câmara lá aceitou ceder o terreno para o enterramento. Também o clero e os militares manifestaram disponibilidade para colaborar no transporte e acompanhamento dos féretros dos bispos. Mas não. Acabou por faltar a vontade e a decisão de pagar as depesas capazes de conferir as honras fúnebres devidas a tão altos dignitários.

Vem este artigo a propósito do trabalho de pesquisa arqueológica que, certamente, irá acompanhar as obras de limpeza, de “reabilitação” e de restauro do complexo adentro da cerca. Na verdade, as ossadas dos monges cartuxos, tradicionalmente enterradas no chão do Claustro Maior, e o destino dos corpos dos eclesiásticos, devem motivar uma investigação documental que, por certo, também a CMO não deixará de fazer.

Os séculos de história do Mosteiro e a presença posterior do Instituto de Reeducação, fundado pelo Padre António de Oliveira, no início do século XX, clamam por uma intervenção, que se espera cuidada e atenta, por forma que os actuais e vindouros visitantes compreendam a importância do lugar. Com efeito, só temos que augurar os melhores resultados dos trabalhos agora iniciados, tanto mais que em 2018 a DGPC já procedeu à abertura do processo de classificação do Mosteiro e da Igreja, conforme solicitação da CMO em 2017.

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Autor: Jorge Castro

Respigo, de um passeio higiénico mas virtual pela internet, as seguintes informações, respeitantes à Estação Agronómica Nacional:

«As origens da Estação Agronómica Nacional remontam, à semelhança de outros organismos de investigação agronómica portugueses, ao século XIX, sendo fruto das reformas prosseguidas na época no quadro da organização dos serviços agrícolas (Reforma de Emídio Navarro).

É herdeira de uma tradição iniciada com as primeiras investigações agronómicas efectuadas na Estação Agronómica Experimental, criada em 1869 e cuja vocação se dirigia à investigação sobre o emprego de substâncias fertilizantes na agricultura, à semelhança do que, na época, acontecia um pouco por toda a Europa.

Aquela Estação, cujo nome, atribuições, estrutura orgânica e meios de trabalho foram variando ao longo dos anos, sofreu profunda reforma em 1936 através do Decreto-Lei nº 27 207 de 16.11.1936 (Reforma Rafael Duque) que criou, à semelhança do Laboratório Químico Central, a Estação Agronómica Nacional.» (in https://www.iniav.pt)

Após uma vida algo atribulada, deslocando-se de paradeiro em paradeiro, apenas em 1961 a Quinta do Marquês, em Oeiras, propriedade do Estado com mais de 130 hectares, foi entregue à Estação Agronómica Nacional, para que esta aí se instalasse e desenvolvesse investigação exclusivamente agrária, conforme nos informa a mesma fonte.

Do seu labor meritório não haverá nada a contestar. Da utilidade da sua existência menos, ainda.

Há, entretanto, algo que a mim assaz me perturba, cidadão dado a devaneios peripatéticos e arroubos fotográficos, sempre que os meus passos para ali me conduzem, o que vem acontecendo, em abono da verdade, de há uma boa mão-cheia de anos a esta parte. 

E para ali vou, em passeio de exercício físico, mas pela tranquila quietude que por tais paragens se desfruta, bem como pela observação amadora da fauna diversa… e, verdade seja, porque ninguém me sabe dizer se essa devassa de território privado seja ou não permitida ou proibida por qualquer entidade. Não. Atravesso tão-só um portão escancarado… e lá estou, tal como muitos outros que fazem o mesmo.

Os olhos enchem-se das extensões de vinhedos, em boa hora na recuperação do néctar de Carcavelos, das flores campestres e da diversidade pródiga de passarada, bem como dos insectos. Apareceram, mais recentemente, uns cavalos, algumas cabras e ovelhas, que só enriquecem a paisagem e permitem alguns interessantes instantâneos fotográficos.

Recentemente, assisto com agrado à intensa recuperação – desmatamento e limpeza – da zona ao longo da ribeira, segundo julgo saber a cargo do município de Oeiras e que aponta, também, para o restauro de infraestruturas da Quinta do Marquês.

E o que me perturba, então, em ambiente tão aparentemente idílico?

Pois bem, a quantidade enormíssima de infraestruturas espalhadas um pouco por toda a parte naquele território e o seu lamentável estado de degradação. Desde antigas estufas, a equipamentos que aparentam oficinas ou, até, construções para fins administrativos, em imensa profusão.

Tão imensa quanto esse seu abandono e estado de deterioração, com as janelas meticulosamente partidas, como as portas cuidadosamente destroçadas. Recantos fétidos e inestéticos de fins inconfessáveis, a quem a natureza, em obra de graça ou pudor, vai encobrindo, neste caso, com o manto verde da fantasia.

Não sei, nem virá ao caso, quem é o responsável por esse abandono ou que circunstâncias mais ou menos históricas o «justificam».

Sei, apenas e nunca cessa, nestas coisas, a minha perplexidade – , que num país onde há uma tão gritante carência de tanta coisa, nos permitamos o luxo de desperdiçar recursos que poderiam constituir acolhimento, guarida, ocupação, para tanta gente, desde aquele grupo de jovens que quer formar uma banda, àquele idoso que ainda sonha ter a sua hortinha, aos artistas com ânsias de um ateliê de jeito… eu sei lá quem e quantos mais.

Ah, são estas coisas devidas ao abandono do Estado…? Pois, daí advém a minha maior perplexidade. 

17 de Setembro de 2021     

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Autor: Jorge Miranda

A “Illustrissima e Excellentissima Dona Mariana Joaquina Appollonia de Vilhena Coutinho”, como é referida em vária documentação oficial, passou à posteridade com o singelo nome de Mariana de Arriaga. Nascida, no seio de uma nobre família minhota, com assento na corte régia, em Arcos de Valdevez, a 16.8.1748, cedo conheceu a privança do paço. Sua mãe, D. Inácia Clara de Vilhena Coutinho, era açafata da Rainha D. Maria Ana Vitória, assim como ela o foi da princesa D. Francisca Maria Benedita e dama da câmara de D. Maria I, que muito a estimava e, por isso, uma das suas principais conselheiras, dado o “seu muito discernimento e maneiras polidas”. Dispunha de aposentos especiais no palácio de Queluz. Casou, a 2.2.1769, com o desembargador Miguel de Arriaga Brum da Silveira (um dos homens de confiança do futuro marquês de Pombal), nascido na Horta (Açores), a 27.7.1716 (32 anos mais velho), sendo padrinhos o ainda conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo, e seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, na presença do reverendo Paulo de Carvalho e Mendonça (a trindade dos Carvalhos). Sem descendência, ficou viúva a 25.2.1773. Não mais se casou, vindo a falecer, em Oeiras, onde ficou sepultada na igreja matriz em 18.10.1820. Embora tendo sobrinhos, por instrumento de doação entre vivos, celebrado a 26.2.1818, foi herdeiro dos seus bens móveis e imóveis o capitão de artilharia António de Vasconcelos Abranches Castelo Branco, ao tempo solteiro, que nasceu, em Midões, a 5.7.1779.

Não obstante ser referida amiúde, a História não se tem detido sobre a personalidade de D. Marina de Arriaga. Escasseiam as informações e, mesmo, quando se encontram, são extremamente lacónicas. Surge como uma sombra ou um pequeno ponto na História. No entanto, sabemos que gozava de consensual estima e admiração. Apenas a apreciação do conjunto da sua cultura, inteligência e beleza adquiriu áurea dimensão e foi exaltada, sobretudo pelos poetas árcades. Para estes – e não só – , a Armânia – o seu lírico anagrama – foi musa inspiradora e fada benfazeja. Particularmente gabados foram os seus olhos verdes – “sereia dos olhos verdes” lhe chamaram.  Neste ambiente, o salão literário que promovia nos seus aposentos palacianos era muito frequentado, desde a marquesa de Alorna a Bocage e Nicolau Tolentino, entre outros.

A quinta do Mocho, em Oeiras, herdou-a seu marido. Legara-lha o tio Manuel José de Peyrelongue (Francisco Ildefonso dos Santos, no seu precioso Memorial Histórico, omite este proprietário). De utilitária casa agrícola, com as construções e arranjos efectuados, a propriedade passou a distinguir-se pelas suas “casas nobres” – o palácio -, ao estilo pombalino, servidas por ampla escadaria e adornadas de azulejos. Para a realização dos serões culturais ou literários, dispunham de uma “sala de concertos”.

Também o conjunto foi enriquecido com a construção de jardins (um deles suspenso), a que não faltavam a elegante cascata, o lago, grutas labirínticas, a aproveitar as anfractuosidades rochosas, a alcandorada casa de fresco, o cais de pedraria na ribeira da Laje e o bosque para deleite dos poetas que aí “alojaram” as míticas ninfas.

D. Mariana Arriaga não se deslocou para o Brasil em 1807, na sequência das invasões francesas. Pouco depois, e até ao seu falecimento, terá habitado, de forma permanente, o palácio e a quinta que preservam a memória do seu nome. Terá transferido a “sua” – a que não debandou – corte para Oeiras. No seu salão, muitos serões musicais e literários ter-se-ão realizado. Animou, social e culturalmente, Oeiras.

Há muitos silêncios e porquês na História. Uns não têm resposta; outros, paulatina e pacientemente, vão-se clarificando. Mas, sempre, muitas interrogações permanecem… A História nunca está acabada.

  • Jorge Miranda
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