Posts made in 2020


Damos aqui, nesta 40ª participação, da autoria de Fátima Camilo, encerramento a este projecto, congratulando-nos pela participação verificada, por parte dos nossos associados. É nossa intenção sedimentar estes textos em livro a publicar brevemente.

Santo António confinado


Santo António veio à janela
saber novas da pandemia
já se vai desconfinando
mas não tanto como ele queria

Cancelaram-lhe o arraial
e as marchas na avenida
vai tudo ficar confinado
Raios partam esta vida

Em casa faltam-lhe as brasas
para ir assando a sardinha
lá as vai pondo na chapa
e bebendo uma pinguinha

Na hora de ir para a mesa
Estava meio atenazado
faltava-lhe o caldo verde
Com a rodela do afamado

Meio triste com tudo isto
O que lhe veio à memória?
As pobrezitas das noivas
e a sua festa simplória

E à margem de tudo isto
está o grande manjerico
que não larga a alcachofra
muito menos o namorico

Para o ano vai ser bonito
se tudo for a dobrar
é começar por uma festa
até à última acabar

Fátima Camilo – 13.06.2020

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Com o agradecimento devido, publicamos a imagem que obtivemos de Ricardo Paes Mamede:

E porque do dia de Camões se trata, três sonetos de Luís Vaz de Camões, ditos por Jorge Castro:

https://www.facebook.com/1271511073/videos/10222001485687501/?story_fbid=10222001488407569&id=1271511073
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Autora: Graça Patrão

AMÁLIA

Nunca a aristocracia te perdoou:
não aceitou a origem humilde
a luminosidade do olhar…
E o teu cantar português atravessou o Mundo
encantou
no mais profundo que a Música permite e
hoje resiste
num sentir universal e amor sublime!
Amália és o Fado e és Portugal.
És ainda a Voz que….”chora a cantar”
e nos permite ouvir
o nosso próprio Destino:

– aceitar o caminho da Felicidade:
Um caminho eterno
sem idade ou condição.
Amália nunca a aristocracia portuguesa
te perdoou:
Nunca o sublime se alcança
quando não se sabe
ultrapassar a distância da humana condição.
Amália
Vives Agora e Portugal
É um país melhor
Porque te tem!

Abril. 2020 – Graça Patrão

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Autor: Carlos Peres Feio

Poema politicamente incorrecto

       – de carlos peres feio

ai que saudades que tenho
do tempo em que até parecia que tudo corria bem
em que quem tinha dinheiro
comprava um potente automóvel para o seu filho crescido
e este ia acidentar-se em Monte Carlo

ai que saudades tremendas de ter o desejo
que a televisão fosse a cores
– quando ela se coloriu foi para mostrar
mais camisolas de futebolistas
e o grande Nemésio ficou para sempre a preto e branco

as saudades não me largam
as que me recordam que havia a esperança
de um dia, à força, sim só podia ser à força
as coisas iam mudar e os mandões cinzentos
daquela loja em São Bento
seriam substituídos por gente mais séria

as saudades podem ser o motor para dias melhores
lembro-me de querer votar e não me deixarem
mas também tenho saudades de em tempos mais recentes
pensar que ir à urna deixar um papel
resolvia problemas

as saudades que eu tenho de ser esperançoso
de tocar piano nos serões familiares
de ter filhos pequenos – de ter netas pequenas
e de eu próprio ser pequeno
dos aeroportos serem caseiros
de visitar museus sem ir para uma enorme fila
de cometer um erro grave
e poder emendá-lo

e as coisas boas que aconteceram?
dessas não tenho saudades –
tenho-as aqui e agora, e moro com elas

eu avisei
– é um poema politicamente incorrecto –


  –  carcavelos  –  2020 05 31

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Autora: Ana M. Patacho

NO ARAME DAS PALAVRAS

Encontro-me num estranho dia-a-dia onde a normalidade passou a ser esta. As máscaras obrigatórias no distanciamento físico. O medo que nos pesa em tudo que fazemos. No sonhar mais a dormir. Num acordar sobressaltado pelo sonho que esta pandemia me trouxe, cruzada pela minha outra pandemia própria, a da visão, entrechocando-se.
Uma eu já tinha. Era só minha. Específica. Caótica. Tenebrosa. Agora encontram-se as duas. Sem os campos definidos. Mas acumulando-se sobrepostas, elas miscigenizam-se e aborrecem-me. Tornam-me a vida mais difícil.
E como controlar pois as duas quando se sobrepõem deste modo? Tanto podendo ser às sete da manhã como às duas da noite, quando ainda não me deitei.
Esta pandemia, a que dou o nome de Gerir duas pandemias, é o que me leva à necessidade da escrita de pequenos textos.
Que vou publicando na NET graças à ESPAÇO-MEMÒRIA, gente com quem me relaciono há quinze anos, tantos os que vivo aqui na minha Sassoeiros a que sempre chamei Oeiras.
Por tudo isto a minha confusão e estranheza quando oiço amigos dizerem que agora o confinamento que os proíbe de saírem de casa lhes tolheu a vontade de escrever. Sentem-se presos. Interditados para o fazerem.
E eu, a quem a mente ensinou que não é o estar preso que me pode impedir de ter liberdade interior, continuo pois a senti-la percorrer-me. Ser companheira de mim própria.
E navego com ela por entre o cruzamento das minhas duas pandemias, como se num corcel continuasse a voar tão livremente como antes.
Liberdade é possível tê-la seja pois em que contexto for. É um exercício mental que podemos exercer através da Língua, nossa, a portuguesa, que no dia 5 de Maio de 2020, em pleno estado de emergência, foi celebrado pela primeira vez o seu Dia.
Em confinamento no auge das notícias, eu senti o arame finíssimo em cima do qual nos tentávamos equilibrar. E do pouco que restava, a Língua era a vara que ajudava o nosso funambulismo.
Se nas informações éramos bombardeados com TESTAR. TESTAR. TESTAR, eu respondia: Escrever. Escrever. Escrever.
Era a minha capacidade de resposta ao vírus. Era a sobrevivência da minha mente. Era a única forma que eu tinha de me sentir em liberdade e independente de um contexto tão asfixiante.
Mas se a mente é importante, o lado emocional não o é menos. E o saber que estes textos, em que havia tantas referências culturais, podiam ser partilhadas ainda que à distância agora, levava a que reflexos do meu coração podiam ser partilhados com quem os lessem, trazendo-me a mim de volta pedaços amigos das vozes que me acompanham, nem que seja só virtualmente.
A cultura é pois boa, tanto para o coração como para a cabeça/mente. E a Língua portuguesa existe como Língua de Cultura no Mundo, seja na envelhecida Europa como na Ásia, África ou Oceania, reconhecida pela UNESCO desde o ano de 2020, e celebrada a 5 de Maio desse ano pela primeira vez no seu Dia Mundial.
Que os futuros dias 5 de Maio possam ser celebrados sem confinamento. No pleno uso das liberdades.
“Ser português não é uma nacionalidade mas um ofício”.
Corroborando palavras de Batista Bastos, numa entrevista à RTP/MEMÒRIA, façamos da Língua uma arma. Que ao usá-la, o sentirmo-nos no arame das palavras, nos leve ao sonho e ao delírio, como se não estivéssemos confinados e a Liberdade pudesse ser total.

2020, Ana M. Patacho, Sassoeiros, 26 de Maio

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